João Adolfo Guerreiro
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Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922

 

O grande evento da história da arte no Brasil foi a Semana da Arte Moderna de 1922, realizado no Teatro Municipal de São Paulo entre 13 e 17 de fevereiro daquele ano. Sempre se falou sobre ela e ainda muito mais se falará agora, em seu centenário. Isso, por si só, já demonstra sua importância. Todavia, até hoje também dá margem a discussões entre paulistas e cariocas, especificamente. Vou me ater a esse ponto, a partir da visão do biógrafo, jornalista e escritor Ruy Castro, um "mineiro-carioca" para o qual o evento "arrombou uma porta aberta".

 

Castro acaba de lançar o livro As Vozes da Metrópole, onde aborda a literatura produzida no Rio de Janeiro antes dos anos 1920, que já praticava uma arte modernista, embora seja taxada, em sua opinião de forma equivocada, como pré-modernista, tendo seus autores caído no esquecimento. "Os autores cariocas dos anos 20 não precisavam se deslumbrar com a modernização. Já estavam acostumados a ela. Em 1922, o Rio tinha prédios de 10 andares com elevador, 20 jornais diários, farta iluminação elétrica, sexo, drogas, praia, Carnaval. A cidade não dormia. Os modernistas, à luz dos lampiões a gás, é que viam tudo isso como novidade - e, para eles, era mesmo... Vide a revista Klaxon, de 1922. O título Klaxon, que significa buzina, refere-se ao culto do automóvel e da velocidade, não? Eles ainda se empolgavam com isso em 1922", disse Castro em entrevista ao Caderno Doc do jornal Zero Hora de 5 e 6 de fevereiro, de forma crítica à Semana e na defesa dos precursores intelectuais cariocas.

 

Foi enfático ao responder pergunta acerca do que explicaria o esquecimento desses autores: "Um dos motivos é que eles eram jornalistas e escritores profissionais, não playboys e diletantes, membros de uma ação entre amigos. Trabalhavam no mercado, e o mercado é dinâmico. Além disso, não tiveram seus nomes martelados diariamente desde os anos 1950 pela indústria acadêmica da USP. Mas o principal motivo foi a criminosa divisão da literatura brasileira, que desqualificou a geração dos primeiros 20 anos do século 20 como 'pré-modernista' - como se ela só tivesse existido para fazer a preliminar do jogo principal, que seria a Semana de Arte Moderna. É uma piada, não? Alguns deles eram Euclides da Cunha, Edgar Roquette-Pinto, Lima Barreto, João do Rio, Augusto dos Anjos, Manuel Bandeira, Julia Lopes de Almeida, Gilka Machado, Carmen Dolores, Orestes Barbosa, Alvaro Moreyra, Agrippino Grieco, Elysio de Carvalho, Adelino Magalhães. Esse pessoal pode fazer a preliminar de alguém no Brasil?"

 

Ruy Castro, comparando as "novidades" modernistas da Semana com a produção artística pretérita, acentuou em sua entrevista que "o verso livre e sem rima já era praticado por Mario Pederneiras desde 1910 e depois por Manuel Bandeira. Os contos de Adelino Magalhães, todos em livro antes de 1920, já tinham fluxo da consciência, ações simultâneas e até palavrões. Orestes Barbosa já escrevia naquele estilo telegráfico, picotado, que depois seria copiado por Oswald de Andrade. (...) A Semana, portanto, arrombou uma porta aberta". 

 

É um ponto de vista diferente do que se verá em grande parte pelos próximos dias, provavelmente - e com toda a razão - focado na Semana de Arte Moderna de 1922 e nos artistas e intelectuais que dela participaram. Todavia, fica o registro dessa crítica que, se por um lado, questiona o valor artístico revolucionário da Semana, por outro chama ainda mais atenção para uma reflexão sobre a mesma e o seu legado (indiscutível) para o Brasil. Não é difícil encontrar a entrevista completa na internet e, tampouco, o livro de Castro nas livrarias.

 

Por fim, a imagem com a qual ilustro essa crônica é do quadro Abaporu, da pintora Tarsila do Amaral, uma das marcas registradas do Modernismo - e do Movimento Antropofágico, dele derivado -, mas que não esteve na Semana de Arte Moderna. Tarsila estava em Paris na ocasião e não participou da Semana. O quadro, inclusive, é de 1928.

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 11/02/2022
Alterado em 11/02/2022
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