Muito pouco sobre Brizola
Sou uma pessoa do papel, da velha escola, do século XX. Leio jornal impresso diariamente, compro-os em banca, não assino. De uns anos pra cá só a Zero Hora - ZH, pois é o único jornal, além do Diário Gaúcho - raramente o leio -, que encontro em banca na minha cidade, além dos semanários locais. Logo, pelo motivo acima e também por ser leitor assíduo da ZH e filho de um ex-assinante, entendo-me no direito de dar uns pitacos sobre a mesma no tocante a cobertura do centenário de Leonel Brizola.
Inicio informando o motivo de estar escrevendo essa crônica é que senti falta, na edição de sábado da ZH, 22 de janeiro, o dia exato dos 100 anos de Brizola, de um caderno ou matéria especial sobre o centenário desse grande gaúcho e brasileiro. Justiça seja feita, o fato não passou em branco no jornal: na quinta-feira, matéria de capa no Segundo Caderno sobre uma peça teatral em sua homenagem - com chamada na capa principal - e artigo de Carlos Eduardo Vieira da Cunha na seção de Opinião; no sábado, uma pequena nota na coluna de Juliana Bublitz, artigo de Pedro Ruas na Opinião, tema da coluna de Flávio Tavares e breve menção da data na coluna Almanaque Gaúcho; e, na segunda-feira, nota de bom tamanho com foto na coluna Política+.
Entretanto, na minha opinião de leitor, achei muito pouco para uma figura da dimensão de Brizola e pela atualidade de seu legado nesses tempos de agenda neoliberal. Quem, num único governo estadual: Impediu um golpe de estado no Brasil enfrentando ministros militares (Campanha da Legalidade)? Construiu mais de 6.300 escolas e valorizou o magistério? Estatizou empresas estrangeiras de eletricidade e telefonia? Além disso, é o único homem público a ter governado dois estados diferentes no Brasil - Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Homem de expressão nacional e internacional, foi candidato à presidência da República em 1989 com a terceira colocação e era figura reconhecida da social-democracia mundial, com relações com os governos de Portugal e Alemanha Ocidental. Em sua segunda gestão no governo carioca, junto com o antropólogo Darcy Ribeiro, criou os CIEPS, marco da educação em tempo integral.
Qual político, no Rio Grande do Sul, teve mais prestígio e realizações que Brizola? Só Getúlio Vargas. Creio que ele rivalize com o ex-presidente João Goulart e com Luis Carlos Prestes, num estado que ainda teve Osvaldo Aranha, diplomata presidente da ONU quando da criação do Estado de Israel. Assim, dada a envergadura ímpar de sua biografia, pensei que viria algo especial na edição de sábado, mas necas de pitibiriba. Quando o Grêmio fez cem anos, em 2003, lembro que saiu um encarte com a história do clube em quadrinhos. Imagino que a história de Brizola igualmente daria uma boa HQ, por exemplo. Ou até um especial do Cardeno DOC, eis que, se tivemos uma Era Vargas no Brasil, insofismavelmente também tivemos um Era Brizola no RS, ambos marcos históricos políticos e econômicos.
Todavia, Brizola foi um homem com uma visão de estado, sociedade e economia diferente do Grupo RBS, proprietário da ZH, que possui um nítido alinhamento com a agenda liberal e suas privatizações e reformas de direitos trabalhistas e previdenciários. Teria isso influenciado a pouca repercussão do centenário nas páginas do tabloide diário? Não sei, mas a RBS tem o direito de ter suas opiniões e alinhamentos. O fato é que enaltecer ostensivamente o legado de Brizola é justamente contrapor a agenda liberal em curso, desnudando-a como modelo e mostrando opções históricas e ainda atuais às suas contradições e limites, especificamente os que prejudicam as pessoas que vivem de salário.
Por tudo isso, esperava muito mais sobre o centenário desse ilustre gaúcho nas páginas de ZH, que é uma das grandes personalidades brasileiras do século XX. É a minha opinião, mesmo sabendo que, hoje em dia, a maioria das pessoas não lê mais jornal impresso e tampouco se interessa por homens como Leonel de Moura Brizola.