O Natal é um refúgio
O velho dorme no quarto e o novo assiste filmes na sala. O tempo quente lá fora é amainado pelo ar-condicionado. Na televisão, filmes de Natal. Tem um canal, Studio Universal, que na Sky é o 111, que desde 12 de novembro passa 24 horas de filmes de Natal. Pra quem gosta, um prato mais do que cheio, dá pra olhar e rever os filmes até cansar ou dormir de overdose Noel.
São filmes estadunidenses, com neve, chocolate quente, roupas de lã e coisa e tal, pois lá no Hemisfério Norte é inverno, bem sabemos. A mitologia natalina foi concebida pelos e para os países ao norte da Linha do Equador. Papai Noel morreria desidratado aqui no Sul. Ou de fome, se nos compararmos ao visto nesses filmes. Até os pobres que recebem caridade nos filmes do Norte são privilegiados em comparação à pobreza no Sul. Nunca esqueço do jornalista luso-israelense Henrique Cymermann dando um curso no Moriah College falando dos pobres de Israel e, como o curso era destinado ao público brasileiro, fazendo a ressalva: “Mas falo da pobreza nas parâmetros de Israel, que é bem diferente da miséria absoluta que se observa na América Latina”. Ou seja, ser pobre na árida e desértica terra onde nasceu o Menino Jesus é benção, se comparável à realidade da frondosa Terra Brasilis.
Nos filmes, onde pessoas de pele (a maioria) e dentes (todos) brancos vivem acima da linha da pobreza em cidades sem assaltos e assassinatos, o Espírito de Natal afugenta os corações das algemas do egoísmo e de seus filhos gêmeos, a ganância e o materialismo, em favor da generosidade e do amor, corporificados em uma vida familiar voltada mais para o humano do que para o financeiro. São esses os dilemas que envolvem os casais nos filmes de Natal do Studio Universal.
São valores universais legais, mas penso que o que importa neles, pra gente, é ver que o Natal é um refúgio, um lugar onde a reflexão positiva sobre a amorosidade possível ao ser humano e ao mundo pode ser realizada, mesmo que vivamos em sociedades desiguais bem diferentes daquela onde essas películas são ambientadas. Um lugar onde se planta a esperança de nos tornarmos coisa bem melhor do que somos, tipo ar-condicionado no verão.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 08/12/2021