O quarto 462
Eram três homens naquele quarto de hospital, todos idosos. Mathias era o mais velho. Fraco e abatido, esperava um exame, temia por alguma coisa ruim. Fumara por muito tempo. Seus filhos se revezavam 24 horas como acompanhantes. Manoel estava quase cego, com problemas nos rins e no coração, potássio descontrolado – diabetes mal cuidada. A mulher e o filho ficavam com ele durante o dia, alternando-se. Osni estava sem metade do pé direito, outro caso de diabetes subestimada. Seu filho aparecia por lá, por breve meia hora, em dias incertos.
O quarto 462 era silencioso. A TV não era ligada, as pessoas muito pouco falavam, os pacientes praticamente não saíam da cama – a não ser para ir ao banheiro. Assunto havia quando as funcionárias da limpeza ou as enfermeiras entravam no quarto, com aquela linguagem característica de creche ou escola infantil, repleta de diminutivos para com os pacientes, principalmente na ora do banho - apenas Mathias fazia sozinho sua higiene pessoal. Os idosos se parecem com crianças, só que o futuro incerto, no caso deles, não se anuncia promissor, ainda mais se acamados numa casa de saúde, doentes.
Homens idosos não querem conversa em quartos de hospital, desejam silêncio para imergirem em seus pensamentos ou fugirem deles. A dor, o cansaço e a ansiedade desestimulam a língua e, portanto, a comunicação verbal. Os acompanhantes, tristes ou estressados - ou os dois - também não têm muito o que dizer, parecem aqueles brigadianos aposentados incorporados como vigias de escolas: estão ali para o estritamente necessário, salvo uma trova com uma professora – no caso, enfermeira. Quem quer realmente estar num hospital ou penitenciária? Só os funcionários, talvez, pela grana no final do mês.
O quarto 462 era frequentado pelos médicos como as salas de aula pelas diretoras, ou seja, uma passadinha rápida e uma conversa breve que, por paradoxal que seja, é a única que os pacientes desejam avidamente ter e que, amiúde, pouco tem.
À exceção de Mathias, Manoel e Osni, todo mundo usava máscara naquele quarto. E, da mesma forma, fora dele. O fisioterapeuta mandou Mathias caminhar duas vezes por dia pelos corredores, sem esquecer da máscara. Pacientes não tem por que usar máscara nos quartos, pois não possuem papel a representar lá dentro, sobre um leito. Fora, voltam a ser seres sociais. Os demais, não perdem nunca tal condição, estando obrigados a atuar em tempo integral, como é o comum na vida em sociedade.
Em breve não estariam mais ali, juntos. A alta separaria no futuro os velhos destinos que o cigarro e o açúcar da juventude uniram num hospital.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 20/11/2021
Alterado em 25/11/2021