Viva a República, a rainha e Zumbi!
Ué, ficou doidão o cronista? Como saudar simultaneamente coisas tão díspares e antagônicas? A República derrubou o Império via um golpe militar, a rainha “libertou” os escravos e esses, por sua vez, reconhecem apenas a morte de Zumbi como a verdadeira data de sua consciência no Brasil. Calma minha gente, calma, o cronista não pirou e tampouco está misturando as bolas, apenas se refere a datas emblemáticas e correlatas que quase coincidem, em função do feriado do Dia da Proclamação da República, ontem.
Quando o general Deodoro da Fonseca, mesmo com a diarreia que o acometia, resolveu, há exatos 132 anos completos na segunda-feira, montar seu cavalo e proclamar a República, inaugurou uma tradição golpista que acompanharia nossa jovem República por vários momentos de sua breve existência. Sim, breve, pois 132 anos não é nada para uma República. Teve gente no mundo que já chegou a essa idade! Logo, se um século é muito para um ser humano, pouco é para uma república. Todavia, o interessante hoje aqui pra nós é que, se a República fez 132 anos na segunda, no domingo foi a princesa Isabel que morreu. Peraí, deixa eu escrever isso de forma mais adequada que, desse jeito, ficou estranho, parece que a nobre ainda estava viva no sábado, né.
O domingo, dia 14, marcou o centenário do falecimento da princesa que assinou a famosa e controversa Lei Áurea. Ou seja, quase exatos trinta e dois anos após Deodoro ir à praça pôr fim ao seu futuro reinado, Isabel morria, há 100 anos. Pode ter sido de desgosto? Quem sabe? Embora três décadas seja muito tempo para se viver em desgosto... O fato é que a ex-futura rainha não deu aos republicanos o gostinho de vê-la morrer no trigésimo segundo aniversário da Proclamação da República: expirou um dia antes, não dando aos algozes do Império o direito à metáfora de terem “matado” também a herdeira do trono, a monarca que entrou para a história como a “libertadora” dos escravos. E é aí que Zumbi dos Palmares entra.
Entra nesta crônica, melhor dizendo, pois Zumbi morreu muito antes de Deodoro e Isabel existirem: foi em 20 de novembro de 1695, quando o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho arrasou o Quilombo dos Palmares, em Alagoas. O lance é que, em 1971, há 50 anos, um grupo gaúcho estabeleceu o rebelde e mártir 20 de Novembro como contraponto ao aristocrático 13 de Maio – data da Abolição da Escravatura no Brasil, por Isabel. Assim nascia o Dia da Consciência Negra, alvo de tantas polêmicas e controvérsias, bem como a tal “Abolição”.
Não é o caso de entrar nelas nessa crônica. O cronista quis apenas chamar atenção para essas emblemáticas e debatidas datas de novembro, próximas no calendário atual, embora distantes no tempo, no espaço, nas análises históricas, políticas e sociológicas e nas interpretações ideológicas.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 16/11/2021