"Amo-te tanto que até..."
Ontem li o cronista David Coimbra falar sobre a Feira do Livro de Porto Alegre, das vezes que lá autografou e de quando via pela praça o poeta Mário Quintana junto com a superhiperultramegagiga linda atriz e poeta Bruna Lombardi, pelo final dos anos 1970. No mesmo jornal vi que no dia completavam-se 120 anos de nascimento da também poeta Cecília Meirelles. O fato é que Quintana, em seu quarto no Hotel Majestic (foto acima), onde residia, pendurara o retrato de três mulheres na parede: Marlene Dietrich, Bruna Lombardi e Cecília Meireles. Como uma coisa sempre leva a outra, a coincidência me fez escrever sobre Cecília, a partir de Quintana, hoje.
Na década de 1930, Cecília publicou no jornal carioca Diário de Notícias poemas do iniciante Quintana que, além de grato, muito admirava a poeta, como diria anos mais tarde em entrevista à jornalista Ivete Brandalise na rádio FM Cultura, de Porto Alegre, no dia 2 de janeiro de 1990: "“Eu acho que a Cecília Meireles é a maior poeta brasileira da primeira metade do século, porque para nós outros, para disfarçar um pudor de sentimentalismo, a gente se refugia no humor, e ela nunca. Ela sempre foi poeta puro” (1).
Na mesma entrevista, revelou que a inspiração para o poema "Solau à moda antiga": "Foi a Cecília Meireles, ela era muito bonita, todo mundo era apaixonado por ela, todos nós. Ela era muito minha amiga, foi quem publicou meus sonetos e poemas lá no Rio”. Eis o poema, para quem não conhece:
Senhora, eu vos amo tanto
Que até por vosso marido
Me dá um certo quebranto…
Pois que tem que a gente inclua
No mesmo alastrante amor
Pessoa, animal ou cousa
Que seja lá o que for,
Só porque os banha o esplendor
Daquela a quem se ama tanto?
E, sendo desta maneira,
Não me culpeis, por favor,
Da chama que ardente abrasa,
O nome de vossa rua,
Vossa gente e vossa casa.
E vossa linda macieira
Que ainda ontem deu flor…
Legal, né? Quintana era O cara e Cecília merecia, pois era A mina, dois grandes poetas brasileiros. Há um conhecido poema de Meireles que minha filha, que também escreve poesia, adora e que não poderia faltar nessa pequena crônica em homenagem à poeta. "Motivo" é o seu título, e o poema é uma pérola, realmente:
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
E, finalizando, para que esse texto não seja uma "crônica dos poetas mortos", deixo um poema de Bruna Lombardi, ainda bela e literariamente ativa aos 63 anos. O texto é do seu primeiro livro, "O perigo do dragão", do tempo a que Coimbra se referiu em sua crônica:
Pacto
entre o teu signo e o meu
existe uma possibilidade
de veneno
umas tintas de vermelho
meu moreno
e se a paixão há de ser provisória
que seja louca e linda
a nossa história
(1) - BRASIL, Lyza. Para Cecília Meireles. Instituto Moreira Sales, 9 nov 2014.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 08/11/2021
Alterado em 08/11/2021