João Adolfo Guerreiro
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Textos
Anita Garibaldi: 200 anos

Era o inverno de 1839, mais precisamente dia 24 de julho. Giuseppe estava a bordo de um dos dois lanchões da "esquadra" dos rebeldes farroupilhas averiguando de luneta o porto de Laguna, em Santa Catarina, avaliando o terreno antes de desembarcar e ocupar o mesmo. Aos 32 anos, foragido da Itália por ser membro de um grupo revolucionário chamado carbonários e estar sentenciado à morte, acabou no Brasil, onde, entre peripécias mil, conheceu o líder farrapo Bento Gonçalves na prisão e recebeu autorização de ser um corsário à serviço destes.

Após construir os dois lanchões de 12 toneladas numa fazenda da irmã de Bento no município de Camaquã e, epicamente, os levar por terra incógnitos, rolando por centenas de quilômetros sobre gigantes carretas puxadas por duzentos bois até o oceano, ali se encontrava ele agora, prestes a conseguir o tão sonhado porto marítimo para os farroupilhas. Entretanto, por mais inacreditavelmente romanesco que possa parecer, o fato é que sua luneta parou ante a atrativa silhueta de uma morena de 18 anos que andava pelo porto, absorta, enfrentando corajosamente o vento frio. Garibaldi conta em suas memórias que reparou "naquela formosa dama" e seu coração aqueceu.

Desembarcaram numa Laguna totalmente desguarnecida, tomando-a sem enfrentar resistência alguma. Assim, rapidamente saiu a procurar a tal morena, porque "a vida pode ser maravilhosa" mesmo na guerra. Não achou. Mais tarde foi tomar um café na casa de um político local e adivinhem quem estava lá? A morena do porto. Ana Maria de Jesus Ribeiro era o seu nome, a terceira dos dez filhos de Bento Ribeiro da Silva e Maria Antônia de Jesus Antunes, nascida em 30 de agosto de 1821, há exatos 200 anos. E esposa de Manuel Duarte de Aguiar desde os 14 anos, por vontade materna, eis que o pai morrera e a família se via em grandes dificuldades financeiras.

"O Manuel olha cá como eu estou, tu não imaginas como eu estou sofrendo" - poderia ter cantado Ana para Manuel, se essa música já existisse naquele tempo e se ele estivesse em casa, visto que se alistara no exército imperial justamente para combater os farrapos e não aparecia no lar há muito. O fato é que Giuseppe chegou pra ela e, em italiano, disse-lhe: "Tu vais ser minha". Fato! Foi o que ele também escreveu em suas memórias. Contou mais: a troca intensa de olhares entre ambos lhe deu a certeza de que já se conheciam há tempos, de outras vidas. Deu liga, claro. "Não deixe de cruzar, o seu olhar com o meu, eu vou jogar meu corpo em cima do seu". E, desta forma, Giuseppe tomou Laguna do Brasil e Ana de Manuel. Assim, Ana passou a ser Anita, e entraria para a história como Anita Garibaldi, esposa do revolucionário Giuseppe Garibaldi.

Guerreando e amando muito, Anita e Giuseppe ficaram até 15 de novembro em Laguna, quando a Marinha Imperial chega e acaba com a chamada República Juliana farrapa. A jovem Anita lutava ativa e bravamente ao lado do marido, notabilizando-se por seu destemor. Tanto isso é verdade que um feito seu, a memorável fuga de um cerco imperial na cidade de Mostardas, com o filho nascido há 12 dias num braço e uma arma no outro, à cavalo, é tema de uma estátua em sua homenagem (imagem acima) em Roma. Não, não falo de Nova Roma, município da serra gaúcha, estou falando de Roma mesmo, a capital italiana. Explico o motivo.

Em 1841, antevendo que a Revolução Farroupilha não seria vencedora do conflito, Garibaldi pediu baixa a Bento e se foi para o Uruguai com Anita, descansar, amar e fazer filhos. Até 1848 fez mais três, quando resolveu ser o momento de voltar para a Itália e lutar pela unificação do país. Lá se foram Giuseppe e Anita e os quatro filhos atravessar o oceano. Depois de muitos feitos e de muitas peleias, Anita, grávida do quinto filho, doente, faleceu durante uma fuga de Roma, invadida por forças francesas e austríacas. Giuseppe não pode sequer enterrar a esposa, deixando o corpo para os perseguidores. Era o dia 4 de agosto de 1849 e Anita estava para completar 28 anos.

Eis uma breve pincelada acerca da biografia da catarinense Ana, filha da Maria e do Bento. Heroína em dois países, Rio Grande do Sul (opa!) e Itália, uma mulher de verdade que não era Amélia e que não "mirava-se naquelas mulheres de Atenas", mas nas de Esparta. 
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 30/08/2021
Alterado em 30/08/2021
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