João Adolfo Guerreiro
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Movimento da Legalidade: 60 anos

Amanhã comemoraremos os 60 anos do início do Movimento da Legalidade, o último grande momento onde o Rio Grande do Sul teve participação central e decisiva na história do Brasil, quando o jovem governador Leonel Brizola criou, via rádio, a Rede da Legalidade, defendendo o cumprimento da Constituição e a posse do vice-presidente João "Jango" Goulart, após a renúncia do presidente Jânio Quadros.

Hoje, quero compartilhar com vocês, dentre a grande quantidade de obras já escritas sobre o tema, um pouco do livro Vozes da Legalidade (Editora Sulina, 2011, 224 p.), do jornalista, sociólogo e historiador gaúcho Juremir Machado da Silva, por achá-la bastante acessível ao leitor não especialista, unindo rigor, qualidade e linguagem literária acessivel. Farei apenas uma resenha bastante sintética deste, trazendo partes do texto que dão uma ideia do que foi a Legalidade.

Os ministros militares de Jânio não queriam a posse do estancieiro gaúcho Jango, mesmo que a Constituição de 1946 o determinasse, pois julgavam-no "comunista". Jango, ex-Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, havia dado 100% de aumento ao salário mínimo em sua gestão, caindo em desgraça com os grandes empresários. Para complicar ainda mais a situação, ele estava representando o governo do Brasil justamente na China, a mando de Jânio que, dizem, o fez de propósito, justamente para impedir sua posse, eis que pretendia, estrategicamente, após renunciar, ser reconduzido ao cargo por pressão popular - o que não aconteceu.

O próprio Mao Tse-tung recebeu Jango, conforme relata o jornalista Raul Riff, membro da comitiva: "Em Hangchow, em austera mas confortável residência, fomos encontrar Mao Tse-tung, que ofereceu ao vice-presidente João Goulart e a seus companheiros de caminhada um almoço de mais pura tradição chinesa (...). Mao e Jango se acharam. O líder chinês brindou o brasileiro com uma fórmula da milenar sabedoria local: 'Nada perde quem não perde a cabeça'. Conselho que logo seria importante" (p. 42). O fato é que se a estratégia de Jânio falhou, pelo menos a tática contra Jango funcionou, e os ministros militares fincaram pé, querendo que o presidente da Câmara dos Deputados assumisse o cargo vago. Aí entra o governador Brizola, 39 anos, cunhado de Jango, na história.

Forma a Rede da Legalidade a partir do porão do Palácio Piratini e mobiliza a Brigada Militar e a população que, segundo diferentes estimativas, reúne de 30 a 100 mil pessoas acampadas permanentemente em frente ao Piratini. Os que se alistaram voluntariamente para defender a Legalidade chegaram a 45 mil. Em 28 de agosto, ciente da ordem de bombardeio do Palácio, dada pelo general Orlando Geisel - irmão do futuro presidente Ernesto Geisel - ao comando do IIIº Exército, sediado em Porto Alegre, discursa pela rádio: "(...) não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente desse Palácio numa demonstração de protesto contra essa loucura e esse desatino. (...) se eles quiserem cometer essa chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e ficarei aqui até o fim. (...). A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Aqui ficaremos até o fim. Podem atirar. Que decolem os jatos!" (p. 74).

Dois motivos foram fundamentais para que as aeronaves não decolassem da Base da Aeronáutica de Canoas. Primeiro, a posição tomada pelo general Machado Lopes, comandante do IIIº Exército - que possuía um efetivo de 120 mil soldados -. que foi até o Piratini e disse à Brizola: "Governador, estou aqui para informa-lhe que o comandante do IIIº Exército e os demais oficiais decidiram ficar com a Constituição e garantir a posse de João Goulart". Segundo, a iniciativa dos sargentos da Base, que sabotaram os aviões para que os oficiais-piloto não pudessem voar. "(...) não íamos deixar uma turma de oficiais nordestinos, paulistas e cariocas transformar Porto Alegre em Hiroshima ou Nagasaki. Fomos pra cima deles. Não íamos entrar para a história como sargentos gaúchos bundões" (p. 136) - relatou o sargento Nei Calixto, primo de Brizola. A liderança dos amotinados em Canoas ficou por conta do tenente-coronel Alfeu Monteiro, que seria morto em 1964, durante o golpe militar.

Finalizando, deixo uma conversa entre o jornalista Adaucto Vasconcellos e Jango no Uruguai, quando o vice já se preparava para retornar ao Brasil e assumir a presidência, que sintetiza quais foram os personagens principais que viabilizaram o sucesso do Legalidade, movimento, além de legalista como o nome já define, profundamente cívico e democrático:
"- Presidente, sou da [jornal] Última Hora e tenho ordens do Samuel Wainer de só retornar ao Brasil na companhia de Vossa Excelência.
- Transmita meu abraço ao Samuel e diga-lhe que vocês voltarão ao Brasil comigo.
- Obrigado, presidente.
- Como está o ânimo da moçada em Porto Alegre?
- Firme, graças ao governador Leonel Brizola, à Cadeia da Legalidade, à adesão do IIIº Exército e a reação dos sargentos na Base de Canoas" (p. 144).
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 24/08/2021
Alterado em 27/08/2021
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