João Adolfo Guerreiro
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O véu pintado

Em 2006 eu vi um filme que me impressionou. Passava-se nos anos 1920, no interior da China - vejam só -, durante uma epidemia de cólera. O seu título, no Brasil, foi o insosso O Despertar de uma Paixão. O nome em inglês, The Painted Veil, é o mesmo do romance (1925) em que ele se baseia, do escritor inglês William Somerset Maugham (1874-1965) - autor de Servidão Humana (1915) e O Fio da Navalha (1944) -, que em português significa "O Véu Pintado", aliás, o título que recebeu em Portugal. Ontem, ao acaso, vi que ele estava na Netflix.

E fiquei muito impressionado com o filme, quinze anos atrás, não pelo seu triângulo amoroso, mas sim pelo fato do personagem Walter Fane, um infectologista, ter de lidar com a ignorância da população local e os interesses das autoridades na tentativa de debelar a epidemia altamente mortal. Obra dramática e pungente, mesmo sendo cru, quase insensível devido ao seu tom objetivo. Duas cenas, especificamente, nunca mais saíram da minha memória.

Na primeira, Fane conversa com um militar federal que o acompanharia até o líder local a fim de conseguirem que as pessoas não enterrassem os mortos perto do rio, evitando a contaminação da água. "Você acha que ele vai colaborar?" - pergunta Fane. "Acho que não. Essas pessoas não tem visão, elas só tem fome e força". Realmente, uma lição e tanto sobre determinadas pessoas com poder, não é mesmo? O foco em seus interesses específicos os faz secundarizar a vida do povo, mesmo numa situação extrema e mortal.

Na segunda cena, o militar e Fane estão com líder, que pouca bola dá para a coisa e os manda embora. Então o oficial diz que, se ele não ajudar, terá de solicitar auxílio para o Exército, o que poderia fazer o governo central olhar com outros olhos para a região... Claro que o senhor feudal local entende o subtexto e, ato seguinte, ordena que sua milícia vá para a aldeia impor as medidas sanitárias necessárias à força, sobrepujando a ignorância e resistência da população. Outra lição que, hoje, trago para a situação em que vivemos, embora alguém já tenha me dito que o negacionismo atual é diferente daquela ignorância, pois é fanatismo, não falta de informação.

Ah, ia esquecendo: o título no Brasil se refere ao casal principal. Já o nome original, O Véu Pintado, baseia-se num soneto do poeta inglês Percy Shelley (1792-1822, marido da famosa escritora Mary "Frankenstein" Shelley): "Não retire o véu pintado que aqueles que vivem chamam de Vida”. O "véu pintado" do poema é uma alusão ao pano que colocam sobre o rosto dos defuntos nos velórios. A pergunta que o livro e o filme propõe é: O que o véu pintado esconde sobre as pessoas e a sociedade?

Assista o filme e descubra. Filmaço! Atual. Recomendo.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 05/08/2021
Alterado em 05/08/2021
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