Os caras me falaram
O primeiro cara me disse, num misto de raiva, dor e inconformidade:
- O médico receitou paracetamol pra ele e mandou ir pra casa...
Comprei a poltrona reclinável da minha biblioteca do seu irmão, esse mesmo que ele me lembrou que foi uma das vítimas da covid na cidade. Era diabético, cinquentão. Não quis dizer nada, mas quase todo o dia, quando sento pra ler, lembro do irmão dele. Foi um choque saber de sua morte.
O segundo cara, ao falar sobre um colega de serviço, disse, com pesar e perplexidade na voz.
- Ele passou por aqui e falou comigo, trocamos uma ideia. Sete dias depois soube que ele tava morto! Tu vê só como é. Ele nem tinha 40 anos.
- É mesmo, doença danada, essa.
Então sua voz assumiu o tom de alívio dolorido daqueles que passaram por uma situação perigosa:
- Eu também tive, em dezembro. Minha esposa e meus filhos também. Ainda bem que ficou todo mundo bem.
- Ainda bem.
O terceiro cara, numa tristeza resignada e sem esperança, confidenciou:
- Acho que ela não fica muito tempo em casa, do jeito que está. Vai voltar pro o hospital logo logo.
- E contigo, está tudo bem?
- Sim, tá. Embora não sei se dá pra dizer que tô bem com ela estando nessa situação, né.
Olhei para seus parcos cabelos brancos, sem saber o que dizer.
Os três caras falaram comigo sobre suas dores. Eu as escutei e entendi. Por dentro, "todo mundo é parecido quando sente dor". Os ouvidos amortecem o coração quando ele nos fala.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 22/07/2021
Alterado em 22/07/2021