João Adolfo Guerreiro
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Os 100 anos de Edgar Morin

Chegar aos 100 anos de idade é coisa para bem pouca gente, seja rico ou seja pobre. Conheci, pessoalmente, duas pessoas centenárias nessa vida, ambas mulheres. O cientista francês Edgar Morin, hoje, atinge esse marco pessoal. Entretanto, ao contrário de Nair e Eduvirgens, seu centenário é socialmente mais abrangente: toda a França e todo o mundo ligado às Ciências Humanas o comemoram.

Morin é filho de Paris, cidade onde nasceu, em 8 de julho de 1921, e vive. Nela, oriundo de uma família de origem judaica, cresceu, fez parte da Resistência Francesa durante a IIª Guerra Mundial, viu de perto o Maio de 1968 Francês e foi um dos construtores do pensamento sociológico, filosófico e epistemológico do Século XX, a saber, o pensamento complexo ou paradigma da complexidade (vale se aprofundar sobre), sendo sua obra principal O Método, composta de seis volumes escritos entre 1977 e 2004. 

"Morin" é, na verdade, o pseudônimo pelo qual é conhecido, criado como codinome a fim de não ser identificado pelo exército de ocupação nazista na capital francesa - seu sobrenome de batismo é Nahoum. Todo esse período ele narra detalhadamente em seu livro Minha Paris, Minha Memória (Bertrand Brasil, 2015), escrito quando estava com 92 anos. Sim, Morin chega aos 100 anos lúcido e produzindo, um fenômeno que remete à outros pensadores contemporâneos como o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908 -2009), o historiador britânico Eric Hobsbawm (1917 - 2012) e o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925 - 2017). Outra de suas obras tardias e autobiográficas publicadas em nosso país, na qual o leitor não científico pode conhecer seu pensamento e sua visão de mundo, é Meu Caminho (Bertrand Brasil, 2010). Esse livro reúne treze entrevistas dadas à jornalista Djénane Tager, onde Morin fala de seus pais, da Sociologia, da complexidade humana, de seu método, do mundo, da educação do futuro, da vida e da morte.

Para se ter uma ideia de como um pensador está imerso em seu tempo e espaço-mundo, temos de verificar sua expressão no cotidiano. Em 2011 um jovem chamado Pedro, estudante de Educação Física da Unisinos e parte de minhas relações familiares, apresentou-me uma folha xerografa com um texto intitulado A Crueldade do Mundo, retirado de Meus Demônios (Bertrand Brasil, 2003). Ele cursava a disciplina de Problemas Filosóficos e Antropológicos, ministrada pelo professor Sérgio Trombetta, e se identificara muito com o pensamento de Morin. O escrito abre de forma magistral, referindo-se epistemologicamente à origem do mundo: "O cosmos nasceu órfão, sem Deus-Pai, nem mesmo Mãe que o teria trazido num útero pré-cósmico; surgiu de uma flatulência do vazio primordial e nasceu de um peido desconhecido. É um órfão cuspido pelo infinito e projetado nas separações do espaço e nas separações do tempo". Uau syl!

Assim, mais adiante no texto, vemos que "nascida sobre um minúsculo planeta no seio de uma violência extrema de tormentas, erupções e tremores de terra, a vida, fruto de associações entre miríades de macromoléculas, luta cruelmente contra a crueldade do mundo e resiste com crueldade a crueldade da vida. Todo o ser vivo mata e come ser vivo". Para Morin, a sociedade humana, deste mundo derivada, é igualmente cruel. O que ameniza isso? "As únicas resistências estão nas forças de cooperação, comunicação, compreensão, amizade, comunidade e amor, com a condição que sejam acompanhadas de perspicácia e de inteligência, cuja ausência pode favorecer as forças de crueldade" na sociedade.

Isso lembra bastante outro longevo, o matemático e filósofo inglês Bertrand Russell (1872 - 1970) em Mensagem para o Futuro, não é mesmo? Sim, esses pensadores do século passado, testemunhas tanto dos avanços tecnológicos quanto das barbáries totalitárias de seu tempo, nos deixaram um legado de advertência. O texto de Morin termina acalentante: "Na fonte de todas essas resistências, consigo discernir hoje uma resistência mais profunda, primordial, à crueldade do mundo. A busca do esforço cósmico desesperado que, no ser humano, toma a forma de uma resistência à crueldade do mundo é o que eu chamaria de esperança". Como a esperança é a penúltima que morre, como disse o cantor Eduardo Dussek, esperancemos do verbo esperançar de Paulo Freire, com a tolerância indicada por Russell e a inteligência dita por Morin.

Falar de um pensador da amplitude de Morin numa crônica é impossível, então deixo essa brevíssima menção como aplauso de felicitação a seu centenário. A quem ficou curioso e quiser ler algo mais abrangente, sugiro o Facebook do jornalista e escritor gaúcho Juremir Machado da Silva, que estudou na França e conheceu Morin. Muito legais seus textos sobre seus 100 anos, principalmente os que constam no Caderno de Sábado do jornal Correio do Povo de 3 julho. Está tudo lá, procurem e deliciem-se.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 08/07/2021
Alterado em 11/07/2021
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