Fica quieto, Neto!
Gláucia Beatriz liga para Leandro.
- Pai, preciso viajar um mês a trabalho, às pressas. Tu pode ficar com o Neto pra mim? Não tenho com quem deixar ele, assim, na corrida.
- Fico, filha, claro, pode trazer.
Gláucia, seguido com suas demandas em cima da hora, socorrendo-se do pai. Meia hora depois está o Neto no pátio. Uma hora depois já urinou na laje. Duas horas depois, defecou. Vamos lá, limpar o coco do Neto. Onde colocá-lo para dormir? Vai ter de ser na área de serviço, mesmo. Amanhã ajeitamos coisa melhor, casinha, essas coisas. Ufa, tudo resolvido, até amanhã.
- Au au au au au au au au au...
- Que que foi, Neto?
- Au au au au au au au au au...
- Desculpa, mas mim não falar sua língua.
- Au au au au au au au au au...
- Ah, tá. Como não pensei nisso antes?
Leandro coloca potes com ração e água na área de serviço. Neto se aquieta. Passam dois pares de horas, a noite chega. O celular toca. É Gláucia Beatriz.
- Oi pai, como tá o Neto? Se adaptou bem aí, contigo?
- Nos adaptamos bem um ao outro, Gláucia. Obrigado.
Dia longo. Enfim, hora de dormir. Banho tomado, Leandro deita na cama de coberta quente, contraponto ao frio do inverno. Antes, claro, a oração de agradecimento por mais um dia de vida:
“Pai nosso que estais no céu...”
- Aaaauuuuuuuuuuuh...
“Santificado seja o vosso nome...”
- Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh...
“Venha nós o Vosso reino...”
- Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh...
“Seja feita a Vossa vontade...”
- Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh...
- Mas será mesmo o pé do bicho! O que que é agora, Neto?
- Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh...
- Saudade da dona?
- Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh...
- Neto, vamos negociar? Te dou um bife e tu me deixa dormir?
- Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh...
Leandro pega um bife cozido na geladeira e entrega a Neto. Ele olha, cheira e come. Ufa.
- Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh...
- Pensei que tínhamos um acordo, Neto?
- Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh...
Outro bife. Neto esnoba um pouco, mas come. Ufa.
- Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh...
Terceiro bife. Neto nem bola. Fastiou. Dará sossego, agora? Leandro vai deitar.
- Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh...
“A noite vai ser longa”, como cantou Cláudio Zoli. “Na madrugada a vitrola rolando um blues...”
- Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh...
- Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh...
- Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh Aaaauuuuuuuuuuuh
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 10/06/2021
Alterado em 10/06/2021