Superlua de Sangue à Bukowski
Hoje pela manhã tivemos o fenômeno astronômico conhecido por Lua de Sangue, coloração devida a um eclipse lunar - a imagem acima não é ela, é de uma foto de agosto do ano passado, do Claudinho Silva. Alguém viu? Eu não, pensei que seria ao entardecer, mas, ao procurar os informes, soube que ela aconteceu pela manhã. De qualquer forma, seria difícil de se ver mesmo aqui no Brasil, segundo os astrônomos. O que eu vi, no Facebook do Portal de Notícias, foi a notícia da morte ontem à noite, por Covid-19, de um dos caras que tomava café com a gente na rodoviária de Charqueadas. Não era membro efetivo da Confraria do Café Com Jornal Sem Carro, mas aparecia por lá às vezes, com sua voz clara e calma e seus comentários inteligentes, bem informados e pertinentes. Doença maldita.
Ele morava perto daqui de casa e me chamava de Joãozinho, pois me conheceu por intermédio de outro amigo, já falecido, que também usava o meu nome no diminutivo. Um cara legal, ex-bancário e político. Fará falta aqui na banda. Gostava dele e o respeitava. A Lua de Sangue foi também uma superlua, ou seja, quando o astro satélite está mais próximo da Terra fica 8% maior. Vai dar pra ver agora à noite, fiquem ligados. Eu vou ver, porque o cara legal que morreu não vai e existir é a dádiva essencial e viver um privilégio. Logo, devemos aproveitar as oportunidades de vivenciar algo diferente pela natureza proporcionado de tempos em tempos. Os outros caras da Confraria, todos veteranos, estão vacinados e vivos, vão olhar também.
A vida é isso: estar aqui, viver, conferir as notícias do dia, lamentar os amigos perdidos, recolher o cocô na caixa de areia da gata preta, lavar a louça do almoço, escrever pro Portal e tomar o café preto que acabei de passar. Adoro café preto. Vocês gostam? Prefiro-o ao chimarrão, mesmo não sendo paulista, mas gaúcho e gremista. O cara legal era colorado, não vai mais tomar café, nem ler jornal, nem ir à rodoviária e não ouvirei mais ele me chamando de Joãozinho. Estava no hospital há um tempo, acompanhava pelas redes sociais e rezava por sua recuperação. Bosta, com outros funcionou, com ele, não deu. Fiquei triste com isso. Todavia, a vida segue. Quando eu morrer ela vai seguir, quanto tu morreres, igual.
Morrer é natural e certo, mas é uma droga. Aceitar a morte numa boa. Conversa mole, creio que muitíssimo pouca gente que morreu pode chegar lá em cima e cantar marra que não teve medo na hora H. Minha tia-avó e madrinha, aos 101 anos, disse-me: "Espero não ter medo na hora". Morreu na sesta pós almoço, nem sei se acordou. Era uma mulher forte, matriarca, respeitada, ouvida e acatada. A minha outra tia-avó, materna, também era matriarca. Minha família é matriarcal de pai e mãe. Quando ela morreu, já havia pago tudo: enterro, caixão, roupa. Ela caíra dois anos antes e quebrara o fêmur, passou muito tempo no hospital e lembro dela dizer: "Não aguento mais, é muita dor e sofrimento, quero partir". Foi duro ouvir isso. Penso que ela sentiu alívio na hora.
Estarei com um café preto na mão e com certeza pensando e repensando sobre tudo isso, à noite, enquanto olhar a superlua. Talvez pense no cronista Charles Bukowski e tome uma taça de vinho em sua homenagem. A gente se apega a tanta coisa, mas só o oxigênio, a água e o amor tem importância, nessa ordem. Cantarei para a superlua o mesmo que a jovem Shakira - possuo o CD dela - na canção: "Estoy aquí queriéndote Ahogándome Entre cosas y recuerdos Que no puedo comprender". Quem pode? Tu podes?
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 26/05/2021
Alterado em 26/05/2021