João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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Textos
A Carga da Professorada Ligeira

No distante 25 de outubro de 1854 acontecia, na Criméia, a Batalha de Balaclava, entre forças russas e uma coalizão de ingleses e franceses. Os russos formavam uma linha defensiva em formato de ferradura, posicionando suas tropas aproveitando a geografia do terreno, dispondo seus canhões sobre o topo dos morros. A Guerra da Criméia foi tola, boçal e intere$$eira como todas as guerras, um desperdício de vidas humanas em favor de grana e poder, vítimas da luta e da cólera que grassou entre as tropas combatentes.

Aliás, guerra e peste geralmente andam juntas. Na I Guerra Mundial, tivemos a Gripe Espanhola (1), assim como a Covid-19 agora assola a Síria simultâneamente a sua interminável guerra civil. Em Balaclava aconteceu, dependendo do ponto de vista, um dos atos de maior coragem, bravura e glória ou de estupidez, insanidade e tolice da história das guerras dos tempos modernos: a Carga da Brigada Ligeira. Na minha opinião, foi um épico de estupidez e insanidade, episódio triste e lamentável, comprovador do absurdo da guerra, que já rendeu poemas, filmes e até canções heavy metal (2). Os ingleses, entre suas forças, possuíam uma cavalaria composta por 600 soldados, que era a Brigada Ligeira.

Dizem que tudo surgiu ou de uma ordem errada, ou mal escrita ou de uma interpretação equivocada da mesma, possivelmente até de uma junção desses fatores. O fato é que o comando da brigada recebeu a ordem e entendeu que deveriam atacar a posição extrema russa, um quilômetro e meio ao fundo da "ferradura", onde estava a maior parte de sua artilharia. Por mais kamikaze que fosse a tática, a mentalidade era a "missão dada é missão cumprida", então lá se foi a tropa de elite inglesa, à galope, atravessar aquele que ficou conhecido como O Vale da Morte. Foram massacrados pela fuzilaria e artilharia russa durante o percurso, obviamente, mas, por incrível que pareça, foram e voltaram, mediante baixas pesadíssimas. E pra quê? Por nada. A carga da cavalaria não influenciou em nada o resultado da batalha e muito menos o da guerra. Um fiasco e um desatino tático, pelo resultado obtido e pelas perdas. Todavia, claro, foi enaltecida a coragem suicida da brigada e seus sobreviventes se tornaram heróis.

Nessa altura do texto vocês já devem ter se perguntado várias vezes por que coloquei a palavra "professorada" no lugar de "brigada". Simples: para mim o retorno das aulas presencias no Rio Grande do Sul é um absurdo parecido com o episódio da Criméia, pois colocam as professoras sob um risco inútil, num momento totalmente inoportuno e em condições absolutamente adversas. Desenhando no quadro com giz: o RS está às portas de uma terceira onda da pandemia - partindo de uma estabilização num índice alto de contágio e de óbitos -, o inverno está chegando - o período sazonal de crescimento de doenças respiratórias aqui no Sul - e a atividade presencial escolar aglomera as pessoas, o que favorece o espalhamento do coronavírus. Aliado a isso, não devemos esquecer que o Estado estava na bandeira preta do finado Distanciamento Social Controlado do governo estadual, que foi rebaixada à vermelha no canetaço a fim de driblar as pendengas judiciais e permitir a volta às aulas à toque de caixa, acima de todos os riscos e a qualquer custo.

Agora, por mais surreal que possa parecer, nos mesmos noticiários da manhã que alertam sobre o crescimento do contágio no Estado, vemos a secretária de Educação dizer que "temos de aprender a conviver com a pandemia". Como assim? Mandando os alunos retornarem às escolas nesse momento? Isso mais parece aprender a "conmorrer" do que a conviver. Temos de aprender é a enfrentar e a superar a pandemia, ouvindo os epidemiologistas e seguindo suas recomendações: vacinas e distanciamento social. Não esqueçamos que o magistério estadual não está vacinado, ou seja, está totalmente à mercê da Covid-19, uma categoria profissional com boa quantidade de servidores na faixa etária dos 40 e 50 anos, ou seja, suscetíveis aos efeitos graves das novas variantes que já estão e começam a entrar no Rio Grande do Sul e no Brasil. Ou seja: tudo indica o contrário para retomada das aulas nesse momento.

Numa quase esquizofrenia administrativa, a Secretaria de Educação indica que só voltem às aulas aqueles alunos que não podem estudar remotamente ou que sejam os mais carentes e dependam da merenda escolar. Ou seja, libera as aulas, mas recomenda - acertadamente - que os pais mantenham as crianças em casa, para evitar aglomeração. Como os professores não tem escolha, fica a pergunta: qual o motivo de os enviar para a linha de frente, então? O interesse do poder econômico, óbvio. Não é apenas pela pressão do ensino privado, isso representa muito mais: liberar as escolas é a antessala da liberação de todas as atividades econômicas, religiosas, culturais e de lazer, para que a economia seja priorizada em detrimento da vida. É isso, sempre foi esse o embate que divide as estratégias de combate à pandemia no Brasil e no Rio Grande. São injustificáveis ou sem importância as demandas econômicas? Mas claro que não, a ruína financeira é um mal a ser evitado! Só que isso não pode se dar à custa da vida das pessoas, que tem de ser a prioridade absoluta dos governos. O sacrifício de vidas é inaceitável e, esse sim, injustificável.

Assim, desde que as aulas presenciais foram retomadas dia 3 de maio, pelo menos 105 casos de Covid-19 foram registrados nas escolas gaúchas conforme levantamento do CPERS, sindicato da categoria. Informa a entidade: "Ao todo, 90 educadores(as) de 77 escolas responderam o questionário até a manhã desta quinta-feira. Destas, 43 escolas de 32 municípios relataram casos de Covid-19 (56%), incluindo 34 professores(as), 22 funcionários(as), 13 integrantes da equipe diretiva e 36 alunos(as). Apenas 15 (35%) das escolas com casos positivos suspenderam as aulas após o diagnóstico." Em algumas regiões e cidades onde a terceira onda já é uma realidade, elevando o número de casos e óbitos e provocando novo colapso hospitalar, as aulas foram suspensas pelos prefeitos. É uma questão de tempo até que o mesmo se dê em todo o Estado, mesmo que ainda hoje vejamos atitudes temerárias como a da prefeitura de Porto Alegre, que está flexibilizando tudo, indiscriminadamente.

Evitemos que a volta às aulas no Rio Grande do Sul fique para a história regional da infâmia como a Carga da Professorada Ligeira, metáfora onde, ao contrário da concepção histórica, o evento se repete tanto como farsa quanto como tragédia. Aulas e estudos são recuperáveis. Vidas, não. Antes um ano perdido do que uma vida perdida, em vão.


(1) - A Gripe Espanhola, na verdade, surgiu nos Estados Unidos, em 1918, trazida pelos soldados estadunidenses que voltavam do front europeu. Mas, como a Espanha foi o país que mais abertura deu para a cobertura jornalística sobre a pandemia em sua imprensa, acabou ficando com a fama. Estudos recentes, analisando corpos congelados na Groenlândia, verificaram que se trata do mesmo vírus H1N1, da pandemia de 2009.
(2) - A imagem que ilustra esse texto é uma versão do desenho inspirado na canção The Trooper, da banda inglesa Iron Maiden, sobre a Carga da Brigada Ligeira.

CANÇÃO - The Trooper (Iron Maiden):
1 Versão original, de estúdio
 https://www.youtube.com/watch?v=X4bgXH3sJ2Q
2 - Versão ao vivo, legendada https://www.youtube.com/watch?v=g6hE_lvUGVc
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 24/05/2021
Alterado em 24/05/2021
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