Jerusalém: cidade abençoada ou amaldiçoada?
Yevus, eis o nome original da hoje conhecida como Jerusalém, antes de ser a cidade dos hebreus. Aliás, é citada com setenta nomes diferentes (Shalen, Ir David, Ir Yehuda, Moriah, Tzion, Ariel, Gilo, etc) na Bíblia (1). Ela foi conquistada pelo povo hebreu por volta de 1000 a.C., pelo famoso rei David - aquele da fundada em Golias. De lá pra cá, é a legítima cidade problema: três mil anos de conflitos (2), mesmo seu nome significando, conforme algumas interpretações hebraicas, "Cidade da Paz". A violência que vemos hoje, em mais uma crise envolvendo palestinos e judeus, vem desde antes desses povos.
Os hebreus formavam uma das tribos nômades que circulavam pela região onde hoje é o tumultuado Estado de Israel antes de 1300 a.C. e que iam pro Egito nos períodos de seca, em busca de alimento e água para si e seus rebanhos. Os impérios Egípcio e Hitita - os EUA e Rússia da época - brigavam pelo controle daquela região e pelo "direito" de cobrar impostos das cidades que por lá existiam há muito. Por volta do ano acima mencionado o faraó Ramsés I - cujo nome não é citado na Bíblia - resolveu construir duas cidades, Pitom e Ramsés (3), precisava de mão-de-obra e coincidiu de os hebreus estarem por lá. Convidou-os: Querem ficar por aqui como escravos e construírem minhas cidades? Os hebreus, claro, recusaram gentilmente a oferta, mas o faraó, obviamente, não aceitou a recusa e "insistiu" para que eles aceitassem sua "hospitalidade'. Acabaram ficando, mas não 400 anos como diz a Bíblia - o livro sagrado sempre exagera muito nessa coisa de tempo -, e sim algo em torno de 80 a 100 anos, como revelam convergentes estudos arqueológicos e históricos (3).
Aí, depois, já ao final da época do longevo faraó Ramsés II (filho de Seti I e neto de Ramsés I), tivemos Moisés, as pragas, o Mar Vermelho abriu, essas coisas todas, e os judeus, de fato, no reinado de Merneptah, já se encontravam - conforme fontes egípcias (3) - na região de Canaã e começaram a conquistar as cidades-Estado cananeias - a pequena e famosa Jericó, aquela das muralhas supostamente derrubadas à trombetadas, é a primeira delas. De início - e estudos arqueológicos confirmam a segunda parte do livro de Josué e Juízes (os doze primeiros capítulos de Josué, épicos e megalomaníacos, são pura lenda) -, tomam apenas as que se situavam na parte do "osso" da região (4), montanhosa, onde hoje é, grosso modo, a Cisjordânia de maioria palestina. O filé, a outra parte - a atualmente ocupada pelos israelenses -, permaneceu ilesa. Isso por que, por volta de 1200 a.C., os cananeus dos vales e planícies possuíam carros de combate em seus exércitos, e os hebreus não, o que era uma baita desvantagem. Assim, conquistaram os povos da região alta, onde essa tecnologia militar era inoperável. Bom informar: as cidades-Estado cananeias eram independentes, não formavam um só povo e até guerreavam entre si.
Passados Josué e Juízes, damos um salto para David que, após Saul e seus filhos morrerem, assumiu o trono. Tomou a pequena Yevus - enclave cananeu próximo ao Reino Hebreu - e depois comprou, logo acima, o hoje chamado - e polêmico e disputado - Morro do Templo, justamente a fim de construir ali um templo para Deus. Queria realizar a obra, mas Deus disse: - Tu não, David! - Mas por que, Senhor? - Tu tens o sangue de Urias, o hitita, nas tuas mãos. David, vocês sabem, viu Betesabá, esposa de Urias, tomando banho e mandou matá-lo para ficar com a mulher, já sua amante. Queimou seu filme com o Senhor. Quem construiu ali o Tempo foi seu filho Salomão, em 960 a.C. - o chamado Primeiro Templo. Esse durou até 586 a.C., quando o rei da Babilônia Nabucodonosor invadiu Israel e o colocou abaixo.
Aqui cabe falar que os hebreus tiveram muito pouco tempo de independência - 141 a.C. (tomam Jerusalém dos selêucidas) a 63 a.C. -, durante o chamado Período Hasmoneu, anterior ao Período Romano. Aquela região passou, dentre outros, pelas mãos de egípcios, hititas, assírios, babilônios, persas, macedônios, romanos, cruzados e, ultimamente, no século XX, otomanos e ingleses, até a criação do Estado de Israel pela ONU (1947) e da independência com Ben-Gurion (1948). É bom lembrar que em 538 a.C. o rei persa Ciro, após a conquista da Babilônia, deixou os hebreus voltarem e reconstruírem o templo (536 a.C.). Esse ficou conhecido como o Segundo Templo ou Templo de Herodes - o matador de criancinhas -, eis que esse rei local, já no período romano, fez obras de reforma e ampliação que o tornaram um dos grandes templos da antiguidade. O Segundo Templo, como Jesus profetizou por volta de 33 d.C., seria totalmente destruído pelos romanos em 70 d.C., após uma revolta dos israelenses. Em 131 os romanos construíram a cidade de Aelia Capitolina por sobre as ruínas de Jerusalém (5). Após nova rebelião (132-135), comandada pelo líder Bar Kokhba, os romanos dispersaram pelo seu império o que sobrou da matança do povo judeu - era muita gente para matar, dava trabalho e cansava. Para humilhar os hebreus, mudou o nome da região, então Judéia, para Palestina, em função dos antigos filisteus, outro dos povos que ali se estabeleceram. Nos anos 600 o profeta Maomé estava na cidade e criou o Islamismo. Dizem que onde hoje está o lugar sagrado para os muçulmanos, o Domo da Rocha - com a cúpula dourada na foto acima -, Maomé subiu aos céus ao morrer. E vejam que o Domo está justamente no... Morro do Templo que, naquela época, era somente pó e lembrança. O que resta é apenas parte pequena do muro que o envolvia - construído por Herodes -, que aparece em primeiro plano na foto, conhecido hoje no mundo como Muro das Lamentações - para os israelenses é o Muro Ocidental.
Isso tudo que vemos hoje começou em 1897, quando foi criado na cidade da Basiléia (Suíça) o movimento sionista e iniciaram os assentamentos judeus naquela região. Após a derrota do Império Otomano ao final da primeira Guerra Mundial, em 1918, os franceses e os britânicos controlaram o Oriente Médio, sendo os primeiros os que ficaram com a área do atual Israel. Os palestinos estavam por lá quando, após o fim da II Guerra Mundial, a ONU autorizou a criação de um Estado Judeu e outro Palestino. Os judeus aceitaram e proclamaram sua independência, enquanto os palestinos nunca aceitaram. Isso gerou a Guerra da Independência, que Israel venceu, combatendo uma coalizão dos países árabes, e se fortaleceu. As fronteiras de hoje foram estabelecidas na Guerra dos Seis dias (1967), outra surra aplicada pelos judeus nos árabes. A Guerra do Yon Kippur (1973), novamente vencida por Israel, consolidou ainda mais o Estado de Israel.
Assim se vê, nesse longo artigo jornalístico, que essa sempre foi uma região de muitas guerras e de muitas mortes, mesmo sendo a cidade santa das três religiões monoteístas chamadas "do livro" (6): judeus, cristãos e islâmicos. A questão atual, de 1948 pra cá, paradoxalmente, foi a mais calma, eis que, nesses 73 anos, menos de cem mil judeus e palestinos foram vitimados pelo conflito. Para se ter uma ideia, a pandemia, atualmente, só no Brasil e nos Estados Unidos, já matou cerca de um milhão e quinhentas mil pessoas, em números reais.
Logo, cabe a pergunta: Jerusalém é uma cidade abençoada ou amaldiçoada? Penso que o mundo é a obra de Deus mantida e aperfeiçoada pelo homem, ou seja, o ser humano é o instrumento do milagre de Deus nesse planeta. Não é por acaso que três religiões tenham a mesma origem geográfica. Isso parece Deus como que dizendo: "Unam-se, vocês são todos meus filhos, irmãos". Todavia, continuam brigado por templos, domos e sepulcros, tudo isso, em última instância, apenas pedras velhas com valor simbólico, que igualmente do pó vieram e ao pó voltarão. Jerusalém é abençoada, mas o homem, em sua ignorância e egoísmo, a torna amaldiçoada por sua própria ação.
(1) - ORENSZTAJN, Raquel. Os diferentes nomes de Jerusalém na Bíblia Hebraica. In: MORIAH INTERNATIONAL CENTER. Semana de Jerusalém. 2020. (1h09m15s).
(2) - HOROVITZ, Ariel. Jerusalém: 3000 anos de conflitos. In: MORIAH INTERNATIONAL CENTER. Semana de Jerusalém. 2020. (1h29m22s).
(3) - VAINSTUB, Daniel. A saída do Egito e a conquista de Canaã, realidade ou mito? Aula 1: Egito, Ramsés II e Canaã: o clímax e o ocaso de um império e os alvores do povo hebreu. In: MORIAH INTERNATIONAL CENTER. 2020. (1h41m04s).
(4) - VAINSTUB, Daniel. A saída do Egito e a conquista de Canaã, realidade ou mito? Aula 2: A conquista de Canaã segundo os livros de Josué e Juízes. In: MORIAH INTERNATIONAL CENTER. 2020. (1h28m23s).
(5) - MONTEFIORE, Simon. Jerusalém: a biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2013, 799 páginas.
(6) - São as religiões monoteístas existentes que tem a característica de possuir livros sagrados e coleções canônicas com a palavra da divindade cultuada e adorada.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 19/05/2021
Alterado em 01/06/2021