Eurico e o sono
Eu não contava carneirinhos para dormir quando criança, contava ponteiros-esquerdos. Sim, inicialmente pensava que era o Eurico (1) marcando os ponteiros dos times adversários da Máquina Tricolor. Foi profético: virei um camisa 2. Medíocre, mas virei, em algumas ocasiões. Nunca cheguei, claro, a ser um card de chicle Ping Pong, como o Eurico - que foi bi-campeão brasileiro pelo Palmeiras em 1972-73 e jogou na seleção. Só os colecionei. Ainda possuo alguns.
Um cara mais velho lá da Cohab, o Valdir, também da Colônia, tri bom de bola e muito inteligente, colocou-me uma vez pra jogar de lateral-direito, pois viu que eu possuía saúde e arrancada e, nos tempos do 4-4-3, lateral na várzea tinha era de marcar o ponteiro adversário e só. Pra isso eu servia, quebrava o galho. Que orgulho em vestir aquela camisa 2, mas bah. E os ponteiros-esquerdos eram todos iguais, não resistiam se tu davas o lado para eles: cortavam para a linha de fundo e disparavam. Ponteiros-esquerdos eram, via-de-regra, magros e rápidos, difíceis de pegar na corrida, mas eu pegava, quase sempre. Por isso deixava o lado aberto pra eles.
Até hoje, vez em quando, conto ponteiros-esquerdos para dormir. Nunca são os do Inter, pois minha mãe é colorada e eu não torço contra o time da minha mãe, né. Meu pai é gremista. Não mais imagino ser o Eurico, agora sou eu mesmo com a 2 Imortal. Cruzo e dou uns passes magníficos, pifando na cara do goleiro o centroavante, como quase nunca fiz. Raramente faço gols, coisa que pouco fazia. Isso ainda funciona para pegar no sono.
Nos campinhos, por outro lado, era zagueiro. Formava dupla lá na Cohab com o Oberdã, um colorado que tinha nome de zagueiro do Grêmio. Era por acaso, pois o pai dele, seu Marcionilo Lombardini, era colorado. O Oberdan era, ao contrário de mim, bom de bola. Ele e o irmão dele, o Luciano, que também era colorado e... ponteiro-esquerdo, mas jogava no nosso time - um cara muito difícil de marcar. Funcionava, contra o time da Super Quadra 1. Até eles irem embora para São Leopoldo.
Antes da pandemia, bom ir ser guri de novo no Olímpico e, depois de 2012, na Arena. Todos aqueles guris e gurias, independentemente da idade, pagando ingresso para serem crianças de novo, que festa. Futebol é uma eterna infância. Para nós da arquibancada. Os de dentro do campo e entorno estão trabalhando, são gente grande dando o seu melhor pelo prato de comida, como diz um comentarista da RBS.
Estou pensando nessas coisas porque hoje é sábado e amanhã é domingo, dias ideais para ver jogo pela TV ou ir ao estádio. Bom estar pensando nessas coisas, agora - elas haviam sumido de minha mente. Deve ser efeito das vacinas, pois elas dão a perspectiva da volta a normalidade no futuro e, assim, pegamo-nos pensando nele e nas coisas que possivelmente voltaremos a fazer quando esses dias chegarem.
(1) - Eurico, mineiro de Uberlândia, nasceu em 1948 e hoje mora em Ribeirão Preto. Veio do Palmeiras para o Grêmio em 1976 e ficou até 1980, jogando 195 partidas (128 vitórias, 46 empates e 21 derrotas) e marcando 11 gols.
Esse texto será publicado dia 18 de abril, sábado, no site do jornal Portal de Notícias.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 16/04/2021