M'Bororé: quando os guaranis deram uma sova nos bandeirantes
Hoje é o centenário de nascimento do músico argentino Astor Piazzolla, que revolucionou o tango, um cara tão importante que o Google colocou uma imagem dele na página de buscas: é só clicar pra ver quem ele foi e ouvir músicas emblemáticas como Adiós Nonino e Libertango. Por outro lado, é importante citar que não está na página inicial do Google o grande educador brasileiro Anísio Teixeira, criador da Escola Nova, que em 11 de março de 1971, há 50 anos, foi preso e morto pela Ditadura Militar. E hoje também temos os 380 anos do início da Batalha de M'Bororé, que igualmente não está no Goggle, mas sobre essa eu vou escrever pra vocês.
Desde a década de 1620 os bandeirantes paulistas tiveram uma ótima ideia para ganhar dinheiro: descer o mapa, atacar as reduções jesuíticas e escravizar e vender os índios guaranis, que estavam todos por lá, ajuntados como gado. E assim fizeram. Claro que tinha o motivo 171 de as missões serem organizadas por religiosos espanhóis e, assim sendo, os bandeirantes estariam atendendo os interesses de Portugal. Sempre tem uma lorota para esconder e real motivo: a grana. O negócio paulista foi muito bem até o papa Urbano VII publicar uma bula excomungando os "cristãos" que promovessem a escravidão entre os indígenas das reduções.
Pra que! A bula provocou revolta nas cidades de São Paulo, Santos, São Vicente e Rio de Janeiro, onde muito se lucrava com isso. "Ora, que audácia, como pode o papa excomungar quem ataca os jesuítas e escraviza os guaranis das missões religiosas? Onde já se viu? Um absurdo isso! Papa comunista!" - devem tê-lo acusado de algo parecido, à época. Pois é claro que os paulistas e cariocas, bons brasileiros e cidadãos de bem que eram, cristãos tementes a Deus, não deram bola para a bula papal e, ao final de 1640, armaram um exército de 3.500 homens para ir atacar a missão de M'Bororé, localizada onde hoje é o município gaúcho de Porto Vera Cruz.
Só que o papa e os jesuítas, de bobos, não tinham nada e sabiam da fé corrompida e utilitária dos brasileiros. Assim, armaram os guaranis a fim de defender as reduções e terminar de uma vez por todas com essa "farra do índio". No dia 25 de fevereiro de 1641, batedores guaranis que subiam o rio de canoa se depararam com membros da tribo tupi que integravam as tropas paulistas e, após uma breve escaramuça, fugiram. Dia 11 de março os bandeirantes avançaram com suas 700 canoas ávidos pela grana e certos de mais uma vitória quando se depararam com a "frota" guaraní, que somava cerca de 4.200 indígenas, bem armada e aparelhada. Foi o primeiro dia do confronto, sendo os paulistas derrotados no combate fluvial.
Posteriormente, o acampamento dos invasores foi cercado e, até o dia 18 de março, os guaranis haviam vencido. Apenas 120 bandeirantes retornaram à São Paulo, corridos e com os bolsos vazios. Ainda voltariam lá ao final do ano, só para levarem outra surra e verem, assim, a falência do seu "negócio". Aliás, interessante essa mania brasileira de ver a vida humana como lucro, não é mesmo? É só lembrar que disseram o mesmo no tempo da escravidão africana, contra libertar os negros. "Ora só, quem vai tocar o trabalho nos engenhos? Que absurdo!"
Ainda hoje, na pandemia, lembro do empresário aquele dos restaurantes Madero falar, num vídeo publicado em 23 de março do ano passado, que "não podemos [parar] por conta de cinco ou sete mil pessoas que vão morrer". Hoje, com mais de 270 mil óbitos por Covid-19, espero que não apareça alguém dizendo que não podemos parar a economia por conta de 400 ou 500 mil pessoas que podem morrer nesta pandemia, pois isso seria muito grave para o tal "custo Brasil". O atual papa, o conterrâneo de Piazzolla, Francisco, já criticou isso, defendendo a sacralidade da vida humana e, ele sim, foi chamado literalmente de "papa comunista": "Imagina? Dizer que o corpo humano, e não a economia, é a casa do Espírito Santo? Que absurdo!"
Por falar em argentinos, a derrota bandeirante em 1641 onde fica a atual Porto Vera Cruz fez com que toda aquela região não caísse sob gestão portuguesa e, assim, hoje, seja território da Argentina. Sorte deles, eis que, historicamente, vê-se que milicianos brasileiros não se dão bem com religiosos e educadores metidos a salvar a alma do povo - e os jesuítas eram as duas coisas, a seu modo, claro.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 11/03/2021
Alterado em 12/03/2021