"Geriatrocídio"
Pensando sobre os dias atuais, imaginava um título para uma crônica que os sintetizassem numa palavra. Cheguei a esse aí de cima. Fui ao Google e digitei, para ver se era factível.
Achei uma crônica onde o termo foi usado. Está no ebook "Muito Além do Agora - Crônicas e Reflexões", de José Francisco Comenalli Marques Júnior, intitulada "O lado 'bom' do coronavírus". Esse "bom", entre aspas, é ironia do autor, óbvio. Marques Júnior, 61 anos - logo, integrante dos grupos de risco -, é paulista de Amparo e médico hematologista aposentado. Escreveu na página 69 de sua publicação virtual:
"Diz o ditado popular, quase sempre dotado de sabedoria sumária, que tudo tem seu lado bom. Estive pensando nisso em relação ao coronavírus. Vamos imaginar a expansão do “geriatrocídio” causado por esse inimigo mais seletivo com os velhos. E os velhos vão morrendo! Cada vez mais e mais cedo. A pirâmide populacional vai assumindo outra forma, deixando de ser a tendência de um triângulo se equilibrando, em seu vértice, para uma forma de pera. A tendência seria um aumento gradativo da classe produtiva com a diminuição cirúrgica da classe dependente da... Previdência! É o grande problema de muitas nações cuja pirâmide tem um grande peso com a população idosa. Não deixaria 'Muito além do agora – Crônicas e reflexões' de ser uma ótima solução econômica! Resolveria um problema crucial.
Estou com 60 anos e acabo de me aposentar. Estou esperando a orientação e o convite de sair de casa em massa, com um monte de gente mais velha que eu, para ir a um evento de música antiga, lotado, com porteiro idoso nos recebendo, músicos da velha guarda tocando e garçons típicos servindo noite adentro. E alguns jovens convidados, selecionados, por estarem gripados e febris. No dia seguinte, se fecha o atendimento aos maiores de 80 anos. Depois aos maiores de 70 e assim por diante... E o futuro será maravilhoso com os sistemas de previdência equilibrados. Está aí o lado 'bom' do coronavírus."
Ressalto: ele está sendo irônico e, na verdade, denuncia e desabafa contra o que parece ser a mentalidade de alguns que minimizam ou negam o problema do qual, agora, estamos vivenciando a pior dimensão de sua gravidade, atroz. E os números não deixam Marques Júnior se enganar: 76% dos óbitos por Covid-19 notificados no Brasil e 80% dos ocorridos no Rio Grande do Sul se dão em pessoas acima dos 60 anos. Ou seja: 10.300 de 12.800 vítimas fatais gaúchas e 197.600 de 260 mil brasileiras. O cronista, utilizando-se do jargão médico, não se furta em indicar o tratamento: "Resumindo meu entendimento: isolamento social é o único remédio. Quebra da economia é um gravíssimo efeito colateral. Efeito colateral pode matar o paciente. Falta do único remédio mata com certeza. Temos que continuar dando o único remédio e tentar controlar o efeito colateral".
Simples, direto e pertinente para o momento. Quanto mais demorarem para fazer isso e enquanto a vacinação não acelera e acontece em grande escala, maior será o baque, o prejuízo e a perda evitável e irrecuperável de vidas - e, estamos vendo pelo perfil das internações em UTI, a nova variante do vírus começa a afetar também os jovens em maior grau e força.
Nem lembro mais o que iria escrever sobre o assunto em minha crônica. Marques Júnior chegou antes e chegou bem, assim lhe dou o meu reconhecimento. Cuidem-se e cuidem as pessoas dos grupos de risco. Fiquem todos com Deus.