João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
Capa Meu Diário Textos Áudios Fotos Perfil Livros à Venda Livro de Visitas Contato Links
Textos
Os comunas do deserto

Estamos a escrever sobre russos "vermelhinhos" das primeiras décadas do século XX, circulando pela gélida e desértica Sibéria? Qual nada, erraram feio! Falamos de judeus "brancos" do século I que moravam reclusos no Deserto da Judéia, às margens do Mar Morto: os essênios de Qumran.

Pior é que eles não se chamavam de essênios e tampouco o local era denominado à época de Qumran, esse é um nome tardio, do século XIX. Dentre outros nomes que se aventa para o local conforme registros antigos - o verdadeiro não se sabe -. um deles é Fortaleza dos Piedosos. Os habitantes do local se autodenominavam Os Filhos da Luz ou Comunidade, deduz-se pelos famosos manuscritos de Qumran, pergaminhos encontrados em cavernas perto do local, em 1947, por beduínos, principalmente o hoje denominado Regra da Comunidade. Era uma seita judaica do período, assim como os famosos fariseus e saduceus citados no Novo Testamento, mas que foi esquecida na poeira do deserto com o passar dos milênios.

Sabia-se, antes de 1947, que eles existiram devido a escritores do primeiro século como Fílon de Alexandria, Plínio - O Velho e, principalmente, Flávio Josefo. Os achados arqueológicos e os manuscritos convergiriam para se concluir que a comunidade citada pelos antigos morasse na atual Qumran. E todos esses acima mencionados convergiram igualmente para outro aspecto: para a vida simples e comunal que levavam, repartindo o pão, a água e o dinheiro. Vestiam-se de branco, comiam todos juntos - calcula-se que eram entre 120 e 150 - e compartilhavam uma rotina de oração e trabalho no deserto, separados dos judeus de Jerusalém e do Segundo Templo por divergências doutrinárias. Eram dualistas (bem e mal, verdade e mentira, etc) e acreditavam na total predestinação divina da vida humana, negando a validade do livre arbítrio.

Uma outra característica marcante: não havia mulher na Fortaleza dos Piedosos. Era o Clube do Bolinha, menina não entrava. Como se reproduziam, então, os membros da seita, visto que, em Qumran, estabeleceram-se por volta da segunda metade do século II a.C.? Eles ou pegavam crianças que lhes eram dadas ou aceitavam homens adultos que aderiam. Os neófitos, após um período probatório de dois anos, eram oficialmente integrados ao coletivo do grupo sectário - os "Numerosos" -, sendo que todos os seus bens passavam a integrar o caixa da comunidade.

Por esse motivo - e mais alguns outros - existe quem especule haver ligação deles com os cristãos primitivos, visto que esses, como podemos ler nos Atos dos Apóstolos, também viviam de modo comunal: "Todos os que criam estavam juntos e unidos e repartiam uns com os outros o que tinham. Vendiam suas propriedades e outras coisas e dividiam o dinheiro com todos, de acordo com a necessidade de cada um" (2.44-45). "Ninguém dizia que as coisas que possuía eram somente suas, mas todos repartiam uns com os outros tudo o que tinham. (...). "Não havia entre eles nenhum necessitado, pois todos os que tinham terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro e entregavam" (4.32-34). No caso dos primeiros cristãos isso era até mais radical, visto o destino que Ananias e sua esposa Safira tiveram ao tentarem dar uma aplicada nos apóstolos (Atos, 5.1-11). Já os essênios apenas mandavam o não apto embora, andar para ver se fazia vento no deserto.

O idílio religioso na casta Fortaleza dos Piedosos acabou no ano 68, quando o imperador romano Nero mandou o general Vespasiano com 60 mil legionários sufocar a revolta do povo judeu. Eles passaram por Jericó, a 13 quilômetros de Qumran, arrasaram tudo e, a caminho de Jerusalém (distante 40 quilômetros), botaram abaixo a Comunidade. Há versões de que, antes, os essênios, após esconderem os pergaminhos em 11 cavernas, fugiram para Jerusalém (que cairia no ano 70) e para a fortaleza de Massada (epicamente tomada pelos romanos em 73). O fato é que sumiram do mapa, dos textos bíblicos e da história até o século XVIII - quando voltou a se falar na seita - e, principalmente, até as descobertas de 1947.

Fontes históricas antigas informam que os essênios eram uns quatro mil e. assim, teoriza-se que o grupo de Qumran fosse uma facção mais radical da seita, apartada. Há ainda os que advogam que João Batista e Jesus teriam tido contado ou mesmo vivido com os essênios, mas a maioria dos pesquisadores afasta essa possibilidade, principalmente os estudiosos da Universidade Hebraica de Jerusalém e do Santuário do Livro. De acordo com esses, embora fossem contemporâneos e apresentassem alguma convergência - e também muita distância - prática e teológica, eram apenas variantes encontradas no amplo espectro que constituía o judaísmo do primeiro século.

E claro que, obviamente, não eram comunas. Nunca ouviram falar disso. Estavam perto do vinho e de Deus e longe da vodka e do ateísmo, e essas coisas não se misturam, bem sabemos. Alho é alho é bugalho é bugalho.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 24/02/2021
Alterado em 24/02/2021
Comentários