Outros cronistas I: Jorge Luiz Alves
Nesse ano, vez ou outra, quero apresentar para vocês, leitores do Portal de Notícias, alguns outros cronistas que leio e admiro, a fim de que possam conhecer e apreciar o que escrevem. Inicio hoje com Jorge Luiz da Silva Alves, carioca e flamenguista que é militar da reserva da Força Aérea, graduado em História, escritor profissional e uma fera na arte da palavra escrita. Ocupa a cadeira nº 8 na Academia de Letras do Brasil - ALB, desde 21 de agosto de 2010 e escreve nos sites Recanto das Letras, Sina de Escritor e no blog Gato Vadio.
Os que curtirem o texto abaixo, podem encontrar mais acerca da literatura de Jorge Luiz Alves em seu site, onde também podem adquirir alguns dos quatro livros por ele publicados: Viagens e Delírios (2008), Sagitário (2011), O Percurso da Paixão (2013) e A Palavra e a História (2019). Recomendo:
https://jorgeluiz.prosaeverso.net/Um feliz 2021 para quem merece, de fato, ser feliz
Jorge Luiz Alves
Último dia de um ano que, sejamos sinceros, terminou em março. A partir de abril, nossas maiores angústias, medos, indignações, esperanças, forças, capacidades, foram tudo posto à prova. Mas o que ficou foi a certeza - inaceitável para alguns, estoica e resiliente para outros - de que nunca mais o tal do "normal" voltará.
2020 trouxe-nos, sem anestesia e com muita dor, o fato do qual fugíamos com explicações cada vez mais inconsistentes: somos extremamente vulneráveis. Séculos de mudanças tecnológicas, conquistas científicas, compreensão do Universo que nos cerca, trouxe-nos, também, esse fato. No século vinte, brigamos com dentes arreganhados pelo orgulho ferido com os resultados cada vez mais nítidos do quanto o Homem e a Natureza precisam se entender, imediatamente. Mas...
Aí, como que para chamar a atenção, uma nova cepa de coronavírus espalhou pelo mundo afora. Até de forma generosa, sua letalidade não girava em torno da infecção, mas do quanto de rapidez ele se espalha, debilitando os sistemas de Saúde de todo o planeta. Em grupos de pessoas com alguma comorbidade, uma vez não sendo atendidos com presteza, adeus pulmões. E, se a comorbidade fosse séria, nem assim. E todos sabemos, grosso modo, quem são os mais vulneráveis numa sociedade: todos os que estão acima dos sessenta anos.
Seria uma questão de solidariedade. Amor ao próximo. Respeito aos mais velhos. Daquele mote cantado desde criança, sobre respeitar o grisalho não só na têmpora, mas na alma.
Nesse caso, a maior parte do mundo demorou para resgatar esses valores. Quando o fez, caminhões faziam filas abarrotados de corpos. O arrependimento viera tarde, mas como ainda estávamos nas calendas de maio, junho e julho, deu tempo para, quem não foi pesadamente atingido, aprender a lição do amor ao próximo. Tudo uma questão simples de respeito ao próximo. Mas...
...chegamos ao fim de 2020. O vírus já desenvolvera mais de quarenta mutações pelo mundo afora. A produção das vacinas, embora tenha batido recorde histórico, não impediu que o novo coronavírus se desenvolvesse. Mas o pique da ciência continua célere. Muitas sociedades, mais sensatas e sensíveis, fazem o dever de casa nesse novo aprendizado humano...
...mas...
...em países construídos sob a égide da obtenção de poderes e privilégios, onde ser o opressor é o anseio de quem foi (e até quem nunca foi) o oprimido, a bolha de insensatez e egoísmo é o motor que move a existência da sociedade.
A postagem abaixo (1) reflete a alma de dois terços do Brasil. Dos pobres que se acham médios, dos médios que se acham elites, das elites que se acham deuses. E embora as frações referentes ao total nacional aqui citadas sejam apenas suposições, um terço do país ainda se preocupa com solidariedade, respeito, dignidade. Palavras que já criam calo em meus dedos de tanto que já as teclei na rede. E não vou parar de teclar, ainda que me caiam todos os dedos das mãos.
Não vou parar porque algumas pessoas bem colocadas na vida acham que "o mundo precisa de riso e verso". Não vou parar só porque certas aberrações só sabem tirar onda de poderosas coladas no saco de potestades - públicas ou privadas. Ou porque muitos tem rabo preso com terratenências locais e fica mal na fita estragar o churrasco durante a pandemia com essa chatice de cobrar respeito e seriedade de quem nos toma do dinheiro de imposto para guarnecer guardiões bandidos. Não vou parar enquanto imagens como esta abaixo, numa Ipanema anestesiada contra o bom senso e a humanidade, se repitam em cada canto do Rio de Janeiro e do Brasil.
Aqui, nesse momento, desejo um feliz 2021 para aqueles que se importam de verdade com cada um que está entubado, assintomático, estressado, neurótico, mas sobrevivendo não só ao vírus com às virulências. Há momentos em que as flores e os devaneios são importantes para desanuviar do peso de uma pesada atmosfera de tragédia e ruindade. Mas usá-los para tapar o sol das desgraças, é fazer do ócio criativo uma peneira alienante e irresponsável. Pode ser que não esteja aqui para ver a COVID-19 e suas futuras variantes sob controle; mas que nunca se diga que me furtei ao óbvio criminosamente ululante.
Ao jurar a bandeira da República quando pus uma farda no corpo, sabia que minha função número um como militar da FAB seria lutar por quem não pode se defender. Ao jurar na formatura de conclusão do curso de História, também me comprometi a fazer com que o povo deste país jamais esquecesse do passado para que não se repetisse no futuro os erros de priscas eras - sobretudo àqueles ligados à opressão de uma classe sobre a outra, a fonte de todos os males em quaisquer sociedades. Furtar-me, levianamente, a manter esses juramentos, seja por qual motivo for, seria trair o Povo, à Constituição e à república que ele representa. Há milhares de maneiras de sermos humanos de verdade. Não precisamos capitalizar nossas existências para atingir um grau de maturada respeitabilidade, honra. Mas quando vejo imagens com desta postagem, sinto que uma vida apenas não será suficiente para tamanha e dolorosa missão.
Entretanto, teclo.
(1) - O autor se refere a matéria "Festa lota as areias de Ipanema e causa revolta nas redes sociais", publicada pelo site G1 em 31/12/2020:
https://oglobo.globo.com/rio/festa-lota-as-areias-de-ipanema-causa-revolta-nas-redes-sociais-24818265?fbclid=IwAR0rVjMu3K8deob-fVyFrEAUEZFwzoPoyqhD96QUxb6D6nU-RQX6BizRoXQTexto publicado no site e nas redes sociais do jornal Portal de Notícias: https://www.portaldenoticias.com.br/colunista/53/cronicas-artigos-joao-adolfo-guerreiro/