João Adolfo Guerreiro
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Maradona, os 41, os 103, os 6.500 e os 170 mil

Hoje o dia trouxe uma enxurrada de notícias lamentáveis. Em primeiro lugar, a morte do gênio do futebol, o argentino Diego Armando Maradona. Repercussão mundial. O planeta inteiro, do Ocidente ao Oriente, deve estar comentando essa notícia. Depois, que o Brasil chegou na marca de 170 mil óbitos oficialmente registrados por Covid 19 e que num acidente de ônibus 41 trabalhadores perderam a vida. Repercussão nacional. Por último, o Rio Grande do Sul superou as 6.500 mortes nesta pandemia. Notícia estadual.

Tanta gente, repercussões desiguais. Cada vida conta, cada morte é irrecuperável e deixa corações partidos. Não há maior ou menor nesses casos, há dimensões e significados diversos. Vamos por partes. Maradona, quando eu soube agora pouco de sua morte, levei um choque. O cara é um dos grandes ícones da minha geração. Pra quem gosta de futebol, é "O Ícone". Os que nasceram do final dos anos 1960 pra cá e que gostam de futebol, sabem que Maradona é um deus na Argentina e um modelo para o resto do mundo. O melhor. É o meu caso, acho isso também.

Não vi Pelé jogar, mas vi Maradona, o ícone - acima de todos - e Zico, o melhor depois dele, na minha opinião. Os outros caras foram craques, muito bons, o que seja, mas esses dois pairam no meu gosto por futebol. Pelé é uma lenda, não se questionam lendas. Maradona e Zico foram homens normais, do meu tempo, eu acompanhei suas carreiras. O saudoso escritor uruguaio Eduardo Galeano viu os três, todos eram gente pra ele. Galeano, em período de copa do mundo de futebol, ficava só em casa, vendo os jogos, sem atender telefone. Faço isso, também. Tiro férias quando há copa do mundo para imergir nela. Gosto. Que nem o Galeano.

O autor do ultrahipermegasuperbestseller As Veias Abertas da América Latina, claro, escreveu sobre futebol. Possuo, dele, dois: Futebol ao Sol e à Sombra (1995) e Fechado Por Motivo de Futebol (2018). Ele fala dos três boleiros acima e de outros mais. Vamos nos ater muito brevemente ao que escreve sobre Maradona. "Nenhum jogador consagrado tinha denunciado sem papas na língua os amos do negócio do futebol. (...) rompeu barreiras na defesa dos jogadores que não eram nem famosos ne populares". Assim Galeano abre a crônica Maradona, a terceira de Fechado por Motivo... e a segunda das quatro seguidas sobre o argentino - O Parto, O Gol do Século e A Magia Imperdoável.

Em Futebol ao Sol... são outras três sobre Dieguito: Gol de Maradona, O Mundial de 86 e Maradona. "Jogou, venceu, mijou, perdeu. A análise acusou a presença de efedrina e Maradona acabou de mau jeito seu Mundial de 94. (...) A máquina do poder o tinha jurado. Ele lhe dizia de tudo, e isso tem seu preço, o preço se paga à vista e sem descontos. E o próprio Maradona ofereceu a justificativa, por sua tendência suicida de servir-se de bandeja na boca de seus muitos inimigos" - escreve o uruguaio no outro texto - outro texto? eh eh eh eh -também intitulado Maradona. O que mais dizer? Leiam esses livros e essas crônicas, eles dizem muito, numa dimensão mais ampla, como esses pequenos trecho já dão a entender.

170 mil vidas consumidas e a segunda onda da pandemia chegando no Brasil. 170 mil em oito meses e 13 dias desde 12 de março, quando morreu a primeira pessoa em nosso país. 67 pessoas por dia, 21.250 por mês, 630 nas últimas 24 horas - mais que uma Boate Kiss ou um Brumadinho, juntos! Cruzincredo, barbaridade, nunca imaginei testemunhar horror tamanho em meu país. 630 ontem por Covid-19 e 41 hoje no acidente entre uma carreta e um ônibus no interior de São Paulo. Ciclos de vida violentamente interrompidos, existências físicas irremediavelmente perdidas. Tudo isso notícia nacional, pois no mundo inteiro, do Ocidente ao Oriente - como a fama de Maradona - a situação é análoga.

Dessas 170 mil, 6.500 foram aqui no nosso estado,103 em nossa região e 18 em minha cidade. De tão comum que tá essa desgraceira, cada um dos números desse parágrafo repercute apenas no Rio Grande do Sul, apenas na nossa região, apenas aqui em Charqueadas. Está comum, mas não podemos nos acostumar com isso, banalizar isso, como se "fizesse parte". Sim, está acontecendo, mas não é normal, é incomum e inaceitável, não há como se conformar e, o pior de tudo, negar ou minimizar. Cada vida conta, por mais famosa - Maradona - ou por mais desconhecida que seja.

Qual o parâmetro das coisas? O que vale mais? As coisas não se comparam ou não? Que doideira está esse mundo, 2020 é um ano tão atípico que só daqui há dez anos os que o viveram vão ter a real dimensão do que ocorreu, suponho. Maradona, fica com Deus, aí junto de Galeano, fechados por motivo de futebol, jogando bola e papeando no céu azul argentino e uruguaio ao sol e à sombra. Tu destes graça à nossa existência nessa tua passagem por esse plano físico. O mesmo para vocês, meus caros 170 mil, 41, 6.500, 103 e 18. Um dia todos nós estaremos juntos na imensidão da eternidade divina. Não importa se tenhamos ou não nos conhecido nesse mundo, pois somos todos, Jesus já disse, irmãos e companheiros de jornada, filhos de Deus.

PS - Hoje, por coincidência, vesti uma camisa 10 da Seleção Argentina pela manhã.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 25/11/2020
Alterado em 29/11/2020
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