João Adolfo Guerreiro
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150.000 vidas perdidas

No sábado nosso pais chegou a esse grande número de mortes "oficiais" - a realidade é muito maior - por Covid-19, 215 dias após o nosso primeiro óbito, dia 12 de março. Estamos há meses figurando entre os 10 países com mais mortes por um milhão de habitantes, no mundo. Em números absolutos, agora somos medalha de bronze da infâmia e da desgraça, pois a Índia tomou nosso lugar, com EUA ainda liderando. Somos 14% das mortes por Covid-19 no mundo, embora tenhamos pouco menos de 3% da população do planeta. E esses números, ainda em desenvolvimento, não correspondem a uma fatalidade, eles vem de decisões políticas, econômicas, sociais e culturais.

No que estamos nos tornando? Ou melhor, o que somos? Eu digo que essa pandemia só fez aumentar num curto espaço de tempo as nossas históricas desigualdade econômica e indiferença social, onde milhares morrem todos os anos devido a um sistema que, ao funcionar e se reproduzir, precariza sem remorso ou preocupação a vida das pessoas mais frágeis ou excluídas. O Brasil é um país lindo, mas podre: a pandemia só escancarou o mau cheiro de nossa nação. Somos, por isso, agora e mais do que nunca, chacota e horror para o mundo ocidental. Temos atualmente um governo federal inacreditável e lamentável, cujas políticas, muito mais do que ineficientes, foram agravantes da pandemia. Temos um general do Exército, não um médico, no Ministério da Saúde. Aliás, pra que tantos militares num governo? Esses servidores públicos federais não fazem falta na caserna, para que tantos estejam no governo nesse momento? É a pergunta que muitos fazem e que eu repito, aqui, por entendê-la pertinente.

E o nosso presidente é o pior de tudo, com suas frases inoportunas, indesculpáveis e lamentáveis e suas atitudes deploráveis, totalmente descabidas ante ao descalabro de mortes que enfrentamos. E o governo de um homem desses ainda tem o apoio de cerca de 40% da população. É por isso que pergunto: o que somos? Pois, se apoiam uma pessoa dessas, se pensam serem legais suas políticas de governo, suas falas e suas atitudes, sou obrigado a perguntar: que nação somos? Que país é esse em que um presidente desses ainda governa? Ora, eu já vi dois impeachments na vida, e digo: esse terceiro é o mais necessário e urgente de todos! É a vida das pessoas que está em jogo! Todavia, como há expressiva parte da população que apoia esse governo lamentável e deplorável, necropolítico, economicista e antivida, além do medo que as Forças Armadas deem de novo um golpe de estado e esfacelem mais uma vez em nossa história a nossa democracia e o nosso estado democrático de direito, o Congresso Nacional não leva adiante os pedidos de impedimento contra esse "presidente". Muitos dos militares no governo, até mesmo o presidente e os seus filhos, já fizeram ameaças veladas e indiretas nesse sentido.

Uma expressiva parte dos grandes empresários brasileiros apoiam isso tudo também, pois a roda da economia tem de funcionar, mesmo atropelando oficialmente a vida de 150 mil. Nunca esqueço daquele que disse lá no início de tudo: "o Brasil não pode parar só porque 5 ou 7 mil pessoas irão morrer". Não sabem de nada esse gente, falam qualquer coisa sem base científica alguma, desque que sejam úteis para seus interesses, só pensam nos seus lucros. Foram muitos desses que deram declarações semelhantes lá por março e abril, mas agora, pelo menos, ao contrário do nosso "presidente", estão quietos. Não sei se arrependidos ou temorosos apenas que novas declarações pra lá de infelizes lhes tragam prejuízo financeiro e lucros menores.

E existem até religiosos apoiando isso, Deus do Céu! Isso, realmente, é o que mais me espanta e estarrece. Como pode, meus Deus? Religiosos cristãos que não defendem a vida, mas o dinheiro. Estão mais preocupados com o dinheiro dos "clientes" do que com a vida dos "fiéis". Qual o deus desses homens e mulheres? Eu penso que não é Deus, não é Jesus, mas sim dEU$ e jE$U$, o mesmo que o presidente fala quando diz "dEU$ acima de tudo". É a deturpação da fé por dinheiro e poder. Coisa nojenta e asquerosa.

Imagino a dor e o sofrimento desses 150 mil mortos, a dor e o sofrimento dos parentes e amigos que os perderam, mesmo ante tanta indiferença desse sistema necropolítico em que vivemos e das pessoas dentre nós que tanto são as quanto azeitam suas engrenagens. E falar em 150 mil óbitos e 5 milhões de contaminados é coisa pra inglês ver, bem o sabemos. Somos um país com baixa testagem, que não rastreia casos e que possui grande subnotificação de casos e de óbitos. O doutor em microbiologia Átila Iamarino, em suas lives, já fala em cerca de 20 a 30 milhões de casos, quase 10% de prevalência do vírus em nossa população - Manaus pode ter mais de 60% - , além de já termos passado de 150 mil óbitos semanas atrás. Um matéria recente da BBC, "Brasil chega a 150 mil mortes por covid-19, mas número real pode ser muito maior" (1), de 10.10.2020, mostra isso muito claramente, ouvindo especialistas como o epidemiologista Marcos Sommer Bittencourt, da USP.

Na matéria, fala-se de algo conhecido, isto é, as mortes acima da média dos anos anteriores por síndrome respiratória aguda grave - SRAG - que, com grande possibilidade, são mortes não testadas e notificadas causadas pela Covid-19. Estamos, portanto, mais do que tropeçando nos mortos no escuro para saber como estão as coisas, estamos escondendo os mortos debaixo do tapete. Iamarino chega a ressaltar que, além da SRAG, existem óbitos fora da curva por doenças cardíacas e acidentes vasculares que certamente são causados pelo presença do coronavírus no corpo, eis que não são somente os pulmões a serem afetados, bem como o sistema circulatório e cardíaco, dentre outros. Aqui no RS, complementa ele, temos a maior proporção de SRAG fora da curva por óbitos por Covid-19, ou seja, praticamente 1 por 1, o que nos leva a pensar num número real de mortes superior as mais de 5 mil aqui notificadas. E o nosso governador - que, justiça seja feita, colaborou muito para que o sacrifício de vidas não fosse grande no RS - agora quer abrir as escolas, visitas nos presídios, grandes eventos, restaurantes, mesmo quando assistimos uma nova onda de coronavírus na Europa a nos mostrar que, sem vacina, não existe segurança.

Então esses números oficiais de 150 mil vidas perdidas e esses 5 milhões de casos - que podem ser, na real, entre 170 e 200 mil mortes e 30 milhões de casos, conforme Iamarino -, não ocorreram por acaso ou por fatalidade, mas sim dentro de um contexto onde a flexibilização do direito à vida existe e opera na realidade por decisões de governo avalizadas por grupos socias e parte da população. Uma tremenda barbaridade tudo isso. O que já somos? O que estamos nos tornando? Creio que estamos num momento em que temos de dizer o que pensamos sobre essa situação, para não cairmos em omissão e conivência com o sistema da morte que vitima aqueles a quem amamos.

Fiquem, TODOS, com Deus. 


(1) - https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54478219?fbclid=IwAR1DLhVH-cjZXKf2xcY-hiCgcXl2AGewCcOIfzj-LCuS7pb5Suwrl5svUcM
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 13/10/2020
Alterado em 13/10/2020
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