João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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A Santa Negra do Brasil

Segunda quinzena de outubro de 1717, Guaratinguetá, São Paulo, Brasil. Os pescadores João, Domingos e Filipe estão pescando no Rio Paraíba a fim de fazer um banquete para um conde, então governador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, chamado Pedro. Necas de peixe, o rio não estava colaborando com a empreitada.

Então, ao puxarem a rede, nela vem a imagem de uma santa de aproximadamente 40 centímetros, enegrecida, sem a cabeça. Seria um sinal? Jogaram a rede de novo, mais uma vez a puxaram e, agora, veio a cabeça da Santa Negra. Mas claro que era um sinal, só poderia ser um sinal! Foi lançar a rede na água pela terceira vez e aconteceu como no episódio bíblico do Novo Testamento: deu muito peixe. Eis o milagre, eis a devoção. Mais simbólico impossível: os pecadores, os peixes e Maria, Mãe de Jesus, da cor da parcela do povo mais sofredor do pais, escravizado. Ué, Deus precisaria desenhar pra eles verem isso? Não, não precisou, o povo de fé e de coração simples entendeu perfeitamente o recado.

A Santa Negra era, na verdade, uma imagem em terracota (argila cozida em forno) de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, provavelmente feita - conforme estudos especializados verificaram - lá pelos anos 1600 pelo frei Agostinho de Jesus (1600 - 1661), carioca que durante sua vida religiosa trabalhou como escultor. Pois então, a Santa Negra achada no rio é hoje a conhecidíssima Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, um dos maiores cultos marianos do mundo e a maior festa religiosa brasileira. Algus dizem que, como ela foi achada, não pode ser considerada uma aparição. Não sabem de nada, incrédulos. Deus tem os seus próprios meios de comunicação com o seu povo humilde e sofredor, a fim de lhe dar esperança e mostrar que por eles olha. Com certeza a imagem foi jogada no rio por cair e ter a cabeça partida na altura do pescoço, eis que era costume na época enterrar ou jogar no rio imagens quebradas. Mas era pra ser assim, desde que Agostinho a tirou do forno, essa história já estava escrita certa por linhas tortas.

Tanto isso é verdade que Filipe levou a Santa Negra para sua casa, onde, por 15 anos, os vizinhos se reuniam para orar. Começou por baixo. O Menino não nasceu numa estrebaria? Pois é. Então a devoção foi, como se diz, pegando preço, milagres foram sendo a ela atribuídos e resolveram fazer um oratório para a santa no Porto de Itaguaçu. Em 1734 o vigário da cidade construiu uma capela, que começou a funcionar publicamente em julho de 1745. Anos depois, em abril de 1822, o imperador Dom Pedro I passou por lá, fez um grau e deu um godô no pessoal, dizendo que iria torná-la Padroeira do Brasil. Que nada, Pedro I era muito mulherengo, mentiroso e ególatra, então escolheu seu xará São Pedro de Alcântara como padroeiro. Outro inocente que não sabia de nada: foi um instrumento divino e, como sabemos que estava escrito certo por linhas tortas, sua promessa seria cumprida por outros no futuro.

Em 24 de junho de 1888, num dia de São João, foi inaugurada a segunda igreja para a Santa Negra - que ia escurecendo mais com o passar do tempo, fenômeno natural decorrente de causas físicas -, hoje conhecida como a Basílica Velha. Em novembro daquele ano, vocês sabem quem foi lá? A Princesa Isabel, neta do rei falastrão, a mesma que assinaria a Abolição da Escravatura. Coincidência, né? Tchê, acredite no que quiser, mas concorde que é muita coincidência. Isabel deixou de presente uma coroa de ouro cravejada de diamantes e um manto ricamente ornado, azul, que estão até hoje com a imagem de Nossa Senhora Aparecida.

Aliás, esse azul do manto da Santa Negra tem algo a ver com o primeiro mundial do Brasil na Suécia, em 1958. Como não poderia jogar de amarelo na final, por ser o uniforme dos donos da casa, foram comprar tecido azul para fazer, às pressas, as camisetas. O segundo fardamento, branco - o "azarento" -, nem pensar, pois fora o do Maracanaço de 1950. Paulo, chefe da delegação brasileira, disse que o azul daria sorte para a seleção, já que era a cor do manto de Nossa Senhora Aparecida. Buenas, Suécia 2x5 Brasil, com dois gols de um garoto pretinho muito bom de bola, camisa 10, chamado Pelé, que seria aclamado como o Rei do Futebol. Outra mera coincidência...

Em 1928 o distrito da Santa Negra se emancipou de Guaratinguetá, passando a se chamar.... Aparecida, evidentemente! Estava escrito, oras, eu já disse. Tanto é que em julho de 1930 o papa Pio XI decreta ser Nossa Senhora Aparecida Rainha do Brasil e sua Padroeira Principal. Em 1955 teve início a construção da segunda catedral. "É o maior templo católico do Brasil e o segundo maior do mundo, menor apenas que a Basílica de São Pedro. É a maior catedral do mundo, visto que a Basílica Vaticana não é uma catedral. Também é o maior espaço religioso do país, com mais de 143 mil m² de área construída ao longo de todo o Santuário, e o maior santuário mariano do mundo", como nos informa a nossa grande e sábia amiga Wikipedia. 
 
Pois então, como estava escrito, a promessa de Pedro I tornou-se fato oficial em 30 de junho de 1980, por meio de Lei que estabelecia o feriado de 12 de outubro e reconhecia a Santa Negra, achada no rio em 1717 pelos pescadores e alvo de profunda devoção popular nacional, como a Padroeira do Brasil. Claro que muito disso foi estimulado pela visita do papa João Paulo II em julho daquele mesmo ano ao Brasil, quando ele consagraria a Basílica de Nossa Senhora Aparecida em missa solene. Imaginem só, um papa polonês e com nome de mulher, Karol! Era pra ser, mesmo, não há dúvida.

E a Santa Negra que, de forma constante, firme e paulatina, seguiu o seu destino por essas terras brasileiras, é uma sobrevivente. Tanto é que, em maio de 1978, um rapaz de 19 anos pegou a imagem e fugiu com a mesma. Perseguido, deixou-a cair, partindo-a em cerca de 200 pedaços. Mais a santa é forte, foi restaurada e recolocada no lugar. Em 1995, um fundamentalista religioso, cheio de ódio e intolerância, resolveu chutar uma imagem de Nossa Senhora Aparecida na TV em pleno 12 de outubro, além de chamá-la de "um boneco tão feio, tão horrível, tão desgraçado". Em abril de 2012, outro fanático religioso atacou com marretadas uma imagem da Santa Negra na cidade de Águas Lindas de Goiás. Já ocorreram mais ataques físicos e verbais a imagens da santa, mas fiquemos por aqui. Basta ver que a devoção se firmou e cresce, apesar de todos os contras.

Já são 303 anos de uma história essencialmente popular, oriunda de uma fé simples e humilde, como é igualmente a gênese do cristianismo a comprovar que, como cantou Gilberto Gil, "andar com fé eu vou, que a fé não costuma falhar'. Nosso mais profundo respeito e consideração por Nossa Senhora Aparecida, a Santa Negra, Padroeira do Brasil!
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 12/10/2020
Alterado em 12/10/2020
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