Alemão, o corajoso
Mais uma do Alemão. Gente, era um animal tri corajoso, de um destemor que beirava o suicídio. O fato que narrarei o atesta.
Quando o Alemão chegou lá no serviço, foi adotado, como já contei na primeira crônica sobre ele. Era um maior abandonado e isso era sorte por lá, eis que havia muito cão vadio pela volta, na rua. Costumava sair pelo portão para namorar as cadelas das redondezas e vivia batendo nos outros cachorros. Ao ficar mais velho, uma vez eles o pegaram de seis, só não morreu porque intervi em seu favor, espantando os outros. Entretanto, essa não é a história que eu quero contar, é só a introdução.
Havia um canil da Brigada Militar próximo. O enorme portão lá do serviço é automático, leva 36 segundos tanto para abrir quanto para fechar. Não recordo mais porque o abrira naquele dia, mas logo que aperto o botão de fechar vejo a Pretinha, a cadela pequena que também morava lá, entrar correndo. Ao olhar para frente, dou de cara com o monstro: um grande rottweiler vindo em minha direção, rápido, encarando-me. "Deus do Céu, o que eu faço?' - pensei, preparando-me para o pior, pois não havia tempo de reagir. Pra meu alívio, o bicho desvia o olhar e passa direto, pois estava atrás da Pretinha.
De tão concentrado em pegar a cadelinha, o monstro não viu o Alemão, mas o Alemão viu o monstro. Quando esse passou, saiu rápido de trás de um banco e deu um bote no pescoço do outro, derrubando-o. Ficou por cima do rottweiler, surpreendendo-o.
- O que que é isso? - perguntou o Délio, um colega mais velho, ao ouvir o alarido.
Ao escutar sua voz, voltei a mim e resolvi tomar uma atitude, pois o monstro rapidamente virou o jogo e por certo mataria o Alemão.
- O que tu vai fazer, João?
- Vou matar esse cachorro.
- Tu tá louco? Tu tem estrume na cabeça? É o cachorro da Brigada!
- Dane-se o cachorro da Brigada, não vou deixar ele matar o Alemão.
- Não faz isso, não faz isso.
Ah, mas eu ia fazer sim, embora o Délio tivesse certa razão. Só que entrou correndo e todo suado um brigadiano bem naquele momento, gritando com o rottweiler, que atendeu a sua voz de comando. O policial, treinado em cinofilia, não demonstrou dificuldade para controlar o monstro, fixando uma grossa corrente em sua coleira. O Alemão saiu pro lado, claudicando de uma pata.
- Desculpa gente, ele escapou. Ainda bem que não mordeu ninguém, senão eu ia me incomodar muito por causa disso - justificou o brigadiano.
Fui ver como estava o Alemão, que lambia a perna machucada e apresentava manchas de sangue pela espessa pelagem, mas não possuía nenhum ferimento mais que superficial, embora a gravidade da contenda em que se metera.
Fiquei olhando-o, realmente impressionado com a bravura daquele cachorro. Devolveu-me o olhar tranquilamente, como se respondesse: "Calma, João, não foi nada". Foi um animal realmente admirável, o Alemão. Inesquecível. Deus o tenha, no Céu dos Cachorros.
Crônica publicada no site do jornal Portal de Notícias.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 17/09/2020
Alterado em 17/09/2020