A geografia do general e o front Sul da guerra contra a Covid
Repercutiu muito recente declaração do general Pazzuelo, ministro interino da Saúde, sobre o "inverno" das regiões Norte e Nordeste e uma possível queda dos casos de Covid-19 nestas. Todavia, o militar fez uma referência atrapalhada a algo que importa muito a nós gaúchos: "os diferentes padrões de vírus respiratórios sazonais" no Brasil, conforme o epidemiologista Wanderson Oliveira.
PADRÕES SAZONAIS
Está lá, na introdução do Guia de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde, de 03 de abril de 2020, página 10: "
Os vírus influenza têm seu pico epidêmico nos meses de maio a setembro nas regiões de clima temperado do Hemisfério Sul, entre dezembro e março nas regiões de clima temperado do Hemisfério Norte, e durante todo o ano (com maior incidência no período chuvoso) nas regiões tropicais e subtropicais. Devido às dimensões continentais do Brasil, estendendo-se por áreas temperadas, subtropicais e equatoriais, é possível identificar distintos padrões sazonalidade dos vírus influenza nas diferentes regiões do país. No Brasil, a região Sul apresenta uma sazonalidade similar à observada nos países de clima temperado, com epidemias com pico no inverno (junho-julho). A região Norte apresenta dois picos, sendo o maior em associação ao período chuvoso (março-abril), como observado em países tropicais da Ásia. Já nas outras regiões do Brasil, temos uma situação intermediária, com casos detectados ao longo de todo ano e picos menos acentuados no inverno ."
GAFE OFICIAL
Na verdade, a gafe do general interino da Saúde (aliás, estamos numa grave pandemia, quando colocarão um MÉDICO no Ministério da SAÚDE?) se referia a isso, mas acabou fazendo o mesmo que a ex-presidenta Dilma, ao falar sobre a real possibilidade de acumular a energia produzida de forma aeólica, fez ao falar em "estocar vento", ou seja: criou, ao tentar ser didática, uma metáfora propícia a chacota. Por um lado, se a sazonalidade realmente existe - não por um "inverno" na equatorial região Norte e que nem corresponde à realidade da região Nordeste, como vimos acima -, por outro lado o argumento utilizado pelo general de que a pandemia tende a baixar por lá é frágil, em virtude de haver outras determinantes para o espalhamento do vírus, como, citando alguns exemplos, a circulação das pessoas, a forma como a sociedade age frente a pandemia, os cuidados que toma, as medidas de contenção dos governos municipais e estaduais. O estudo da UFPel/Ministério da Saúde, visando estimar a contaminação real no Brasil, chegou ao índice máximo de 19% da população de uma cidade do Amazonas e de 15% na região de Manaus. Isso indica que há ainda muito para acontecer naquele estado, dependendo do que governos e população fizerem a fim de conter o espalhamento.
INVERNO GAÚCHO
Em relação ao nosso estado e a toda a região Sul, o que toca é que entramos agora, final de junho e início de julho, no período sazonal de circulação de vírus respiratórios, e isso é um problema agravante do quadro atual. Em outras palavras, a coisa tende a apertar agora. E já está apertando, de fato. O número oficial de casos notificados de Covid-19 cresceu muito no mês de maio no Rio Grande do Sul, justamente no período onde foi adotado o modelo de distanciamento social proposto pelo governo estadual, com base em pesquisa realizada em parceria com a mesma UFPel (a pesquisa indica que os casos reais podem ser seis vezes superiores aos notificados, devido a subnotificação decorrente da baixa testagem brasileira). A imprensa regional noticiou dia 15 que, do jeito que vai, em duas semanas os leitos hospitalares podem chegar a 100% de ocupação em Porto Alegre, o que alertou tanto o prefeito da capital quanto o governador do Estado, sendo que ambos, nessa semana, anunciaram a volta de medidas mais duras de contenção do espalhamento do vírus, isto é, de isolamento social.
O reitor da UFPel, o epidemiologista Pedro Hallal, disse em entrevista para o site Valor Econômico, dia 12, que precisaremos, no Brasil, de um lockdown forte a fim de termos uma curva descendente de contaminação. Isso mostra a gravidade do que nos espera se não tomarmos as medidas necessárias para evitar o pior em nosso Estado. O doutor em epidemiologia Wanderson Oliveira, em live no canal do YouTube do doutor em microbiologia Átila Iamarino, dia 7, também fez um alerta histórico sobre isso. Oliveira foi secretário de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde durante a gestão de Mandetta e, em 2009, já como funcionário do Ministério, coordenou o combate ao H1N1. Disse ele, a 1h10min do vídeo: "O padrão de circulação de vírus no Brasil se dá pela região Sul do país. Não é pelo resto do Brasil. Quem é que fala, realmente, 'esse ano foi bombástico em vírus respiratórios', são Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais e São Paulo". A 1h16min, acrescenta: "Em 2009, o meu mestrado foi sobre influenza, eu coordenei a resposta à pandemia de influenza. Só no Rio Grande do Sul - na época, foram 34 mil casos de influenza [no Brasil] - quase tudo no Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina".
PREOCUPAÇÃO JUSTIFICADA
A preocupação de Hallal com a curva em crescimento no Brasil e no Rio Grande do Sul é, pelo que vimos acima, justificada. Mais ainda porque ele também sabe o que Iamarino, em outra live, já informou: que, pela observação de como a pandemia ocorreu e ainda ocorre em outros países, quando atingirmos o pico e começarmos a ter uma curva decrescente de casos, as vítimas fatais, por essa avaliação, corresponderão a um terço do total final. Em outras palavras: se, ao atingirmos o pico, tivermos 50 mil vítimas, na descida até o final outras 100 mil pessoas possivelmente devem perder a vida. Wanderson Oliveira, na live acima referida, disse acreditar, pela sua experiência, que estamos no quarto final de nossa ascendente. O problema que ele vê, na situação do Brasil, é que podemos entrar num platô estável durante o pico, que pode durar muito até iniciar a curva descendente de casos e óbitos. Avaliações mais do que preocupantes.
CONCLUSÃO
Diante de tais prognósticos, nós, gaúchos, devemos aumentar o combate ao coronavírus, pois, se vermos a pandemia como uma guerra entre humanos e vírus, as batalhas decisivas no front Sul de nosso país começam agora, em cada cidade. Todos devemos usar as armas que temos: isolamento social, distanciamento social, máscara, higiene pessoal e protocolos de entrada e saída de casa, com roupas, calçados e produtos. E também ajudar os hospitais, nossa derradeira linha de defesa da vida das pessoas contaminadas que apresentarem complicação grave. Procure nas redes sociais como ajudar o hospital mais próximo. Estaremos todos juntos nessa, ombro a ombro, todos os dias. Façamos, cada um, nossa parte. Vamos barrar o espalhamento do vírus no Rio Grande e na Região Carbonífera, salvando vidas.
Texto publicado no site do jornal Portal de Notícias:
https://www.portaldenoticias.com.br/colunista/53/cronicas-artigos-joao-adolfo-guerreiro/