O papa é pop e pela vida das pessoas
São muitos os líderes religiosos, dos mais diversos matizes, que tem se manifestado em relação ao grave momento sanitário pelo qual o planeta atravessa. No Dia de Pentecostes, o papa Francisco pronunciou uma mensagem a favor da vida, contrária a qualquer tese que defenda priorizar a economia durante a pandemia.
Levando-se em conta que os católicos são quase 1,3 bilhão de pessoas, praticamente 1/5 da população do planeta - religião predominante na Europa, América do Sul e América Central e com forte presença na África, América do Norte e Oceania -, trata-se da fala de um líder mundial de grande representatividade preocupado com a vida humana no mundo inteiro. E, num trecho, falou sobre o Brasil - pais com a maior população católica do mundo - e a Amazônia:
"Hoje, Festa de Pentecostes, invoquemos o Espírito Santo para que dê luz e força à igreja e à sociedade na Amazônia, duramente provada pela pandemia. Muitos são os contagiados e os mortos, inclusive entre os povos indígenas, particulamentre vulneráveis. Por intercessão de Maria, Mãe da Amazônia, rezo pelos pobres e mais indefesos daquela querida região, mas também por aqueles de todo o mundo, e faço um apelo para que não falte a ninguém a assistência de saúde. Cuidar das pessoas, não poupar pela economia: cuidar das pessoas, que são mais importantes do que a economia. Nós, pessoas, somos o templo do Espírito Santo; a economia, não."
A situação, grave em todo o Brasil - já um dos maiores epicentros da pandemia no mundo -, é particularmente aterradora na Amazônia, estado com baixa capacidade em seu sistema de saúde e onde, na região de Manaus, segundo pesquisa da UFPel/Ministério da Saúde realizada na segunda quinzena de maio, a contaminação já supera os 12% da população. Ou seja, o quadro trágico que lá assistimos é somente a ponta do iceberg, como se diz. Isso justifica a preocupação papal com o Brasil e com a Amazônia, lembrando que a Região Norte, principalmente o Pará, enfrenta realidade semelhante à amazonense, com o agravante de que, ao se interiorizar naqueles estados, o vírus entrará em municípios com precaríssima capacidade de atendimento médico e com populações de baixa renda.
No Brasil, em termos gerais, ontem tivemos a notificação de óbito de quase 1.500 brasileiros por Covid - 19 em 24 horas - mais de um por minuto! -, um número trágico, mais ainda se pensarmos na realidade da subnotificação por baixos índices de testagem em nosso país - a pesquisa da UFPel acima mencionada indica que os números são sete vezes maiores do que os notificados. No total, superamos 34 mil mortes, número superior à população somada (IBGE - 2019) de São Jerônimo e General Câmara e próxima à de Arroio dos Ratos e Butiá. Para se ter a dimensão desse problema, se isso ficar como está em termo proporcionais, sem diminuir ou aumentar - levem em conta que o Brasil encontra-se ainda numa curva ascendente de espalhamento - em 70 dias já perderemos mais vidas de brasileiros que a população dos sete munípios da Região Carbonífera somadas, ou seja, 140 mil pessoas.
É uma visão apocalíptica? Não, é uma ótica nem otimista e nem pessimista, mas estática. Para ver tudo isso, não precisa ser profeta, basta apenas observar nossos números oficiais, as pesquisas epidemiológicas e para onde elas apontam, apostando no melhor para a gente. Numa leitura apocalíptica - melhor não fazê-la agora, isto é, imaginando-se uma situação que a epidemiologia chama de "imunidade rebanho" -, estaríamos com dois Cavaleiros do Apocalipse já entre nós: a Peste e a Morte. E, a contar pela inoportuna crise política, a Guerra já se assanha em sua cela - vade retro!
Entretanto, não será, de forma alguma, o fim do mundo, pois estudos epidemiológicos afirmam que a taxa real de mortalidade da Covid-19 varia de 0.8% a 1.2%, conforme a região do país. Todavia, se evoluirmos, por qualquer motivo que seja, para a denominada "imunidade rebanho" (e para o decorrente colapso total do sistema de saúde), daí teríamos uma tragédia humana sem precedentes no Brasil, pois esses índices acima se darão sobre cerca de 70% ou mais da população brasileira que seria infectada, como nos informa o doutor em microbiologia Átila Iamarino em duas lives sobre o assunto, realizadas nos dias 3 e 11 de maio no Youtube, onde se encontram disponíveis.
Escrevo isso, baseado nos estudos epidemiológicos, opinião de cientistas, médicos e dados oficias, a fim de sublinhar que a fala do papa Francisco é muito pertinente e espero que toque a mente e o coração das autoridades do Brasil e do mundo para que decidam as políticas de contenção à pandemia levando em conta a vida humana, especialmente a situação das pessoas dos grupos de risco: pobres, idosos e portadores de determinadas doenças e deficiências de saúde. Nunca esqueçam: a evolução da pandemia é determinada pelo comportamento das pessoas e pelas políticas de contenção adotadas nos diferentes níveis de governo, isto é, combatê-la é uma possibilidade concreta que está em nossas mãos, a depender de nossa vontade e determinação.
Esse mal não pode se alastrar entre nós, façamos a nossa parte: sair de casa só com muita necessidade, observar o distanciamento social, usar máscaras, água e sabão, álcool gel e rigor nos protocolos de entrada e saída de casa com roupas, calçados, animais domésticos e compras. Tenhamos fé, ciência e rigor, cuidando de nós e dos outros, evitando o espalhamento, com altruísmo e solidariedade, enquanto cientistas e pesquisadores obram por uma vacina.
Fiquem em casa, fiquem com Deus.
Texto publicado no site do jornal Portal de Notícias:
https://www.portaldenoticias.com.br/colunista/53/cronicas-artigos-joao-adolfo-guerreiro/