O que será que será?
O que será daqui pra frente do nosso país? De nosso povo? Em plena pandemia, situação única e inédita de imensa gravidade pelo qual o mundo inteiro passa, hoje pede pra sair o segundo ministro da Saúde, que substituiu o primeiro, demitido a menos de um mês!
No momento em que a curva de crescimento volta a subir vertiginosamente no Brasil, indicando os piores e mais terríveis prognósticos possíveis - o que já está acontecendo em algumas unidades da federação, inclusive com colapso do sistema de saúde -, o atual ministro, a menos de um mês no cargo, demite-se! E sabem o que o anterior escreveu em uma rede social, ao saber do fato? "Oremos. Força SUS. Ciência. Paciência. Fé! #FicaEmCasa". Oremos! Fé! Puxa vida, como assim, "oremos", senhor ex-ministro? O senhor é médico! E o pior é que não dá para ficarmos embasbacados com isso, pois a situação chegou a tal ponto que exige mesmo muita fé e oração para que a ciência e o SUS nos ajudem, para que as pessoas não entrem em desespero, mantenham a calma e a paciência, ficando em casa e seguindo todas as recomendações das autoridades sanitárias. Deus age no mundo através de nós, uns pelos outros. Fiquem em casa, cuidem-se. Pior é que o antigo ministro, o primeiro, está certo mesmo. O que será que será?
A situação parece surreal, mas não é! É isso mesmo o que está acontecendo num momento em que o oposto é que deveria ser a realidade. O que será que será? Interinamente assumiu o Ministério da Saúde um general, que era diretor executivo da pasta indicado pelo Presidente da República como pré-condição para que o ministro hoje demissionário assumisse. Nada contra os militares, meu pai é militar, mas um militar assumir a pasta da Saúde na situação em que estamos? Era o momento para o nosso melhor quadro da área da saúde, o maior gênio brasileiro vivo da medicina, do sanitarismo ou da epidemiologia estar à frente do Ministério da Sáude, não um militar!
O que pode indicar tudo isso? Que agora o Ministério da Saúde vai mesmo priorizar a economia em detrimento da vida das pessoas, especialmente as do grupo de risco e das pobres? O ministro pediu pra sair porque não iria investir numa medida tipo "imunidade de rebanho", que teria um alto custo em vidas em poucos meses? Não estou ironizando numa hora dessas - um amigo se ofendeu comigo hoje no Facebook, achou que eu estava sendo irônico quando usei essa expressão -, esse termo existe mesmo na epidemiologia, é a tal onde as pessoas pegam vírus para se imunizar e então o espalhamento para depois que cerca de 70% da população for contaminada, percentual que pode chegar a 85%, segundo alguns epidemiologistas. Na verdade, não se sabe ao certo, o coronavírus que anda por aí ainda é, em muitos aspectos, um novidade para a ciência. O que se tem hoje é que a taxa de mortalidade real da Covid-19 no Brasil, conforme estudos recentes que o epidemiologista Àtila Iamarino citou em sua live no dia 11 de maio - procurem no Youtube e assistam -, varia entre 0.8% e 1.2%, conforme a região. Então a "imunização de rebanho" seria isso, sacrificar cerca de 1% de 70% a 85% da população brasileira então contaminada em um período de meses, sem tempo para esperar surgir um possível tratamento ou vacina! É muita gente, milhões de pessoas, conforme os epidemiologistas supracitados, com o agravante, segundo o mesmo Iamarino, de que esse número poderia aumentar consideravelmente devido ao colapso do sistema, eis que com as pessoas sem tratamento a taxa de mortalidade subiria. Nessa live estava uma professora de Harward, uma brasielira, especialista da área, falando sobre esse assunto, corroborando essa avaliação. Ciência, cientistas. Não colocaram um general à frente do Ministério para avalizar algo que os dois médicos que anteriormente ocuparam a pasta se recusaram a fazer, não é mesmo? Isso não pode acontecer.
Realmente, pessoal, mantenham a calma, cuidem-se, sigam os protocolos com rigor, usem os EPIs e fiquem em casa, só circula quem precisar muito. O ponto positivo de tudo isso, além de a taxa real de mortalidade não ser essa que pode atingir os 10% que vemos na Região Norte - medida sobre o total de casos notificados, não sobre os presumidamente reais - é que a tal curva desce e sobe de acordo com o comportamento das pessoas. Não é um destino inexorável, são tendências de espalhamento que variam conforme a ação da sociedade ante o problema. Faça a sua parte e não seja parte do problema. Vidas estão em jogo.
O que será que será? Nós podemos, com ações, responder nós mesmos a essa pergunta. Deixo a letra do Chico Buarque como fundo musical dessa crônica, pois ela me veio a cabeça quando comecei a escrevê-la. Que os avisos evitem o pior, que os risos não desafiem a realidade que nos acomete e que o Padre Eterno nos abençoe.
Fiquem em casa, fiquem com Deus.
O que será que será?
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurando em versos e trovas
Que andam combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças, anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Que estão falando alto pelos botecos
Que gritam nos mercados, que com certeza
Está na natureza, será que será
O que não tem certeza, nem nunca terá
O que não tem conserto, nem nunca terá
O que não tem tamanho.
O que será que será?
Que vive nas idéias desses amantes
Que cantam os poetas mais delirantes
Que juram os profetas embriagados
Que está na romaria dos mutilados
Que está na fantasia dos infelizes
Que está no dia-a-dia das meretrizes
No plano dos bandidos, dos desvalidos
Em todos os sentidos, será que será
O que não tem decência, nem nunca terá
O que não tem censura, nem nunca terá
O que não faz sentido.
O que será que será?
Que todos os avisos não vão evitar
Porque todos os risos vão desafiar
Porque todos os sinos irão repicar
Porque todos os hinos irão consagrar
E todos os meninos vão desembestar
E todos os destinos irão se encontrar
E o mesmo Padre Eterno que nunca foi lá
Olhando aquele inferno, vai abençoar
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem juízo.
Texto publicado no site do jornal Portal de Notícias:
https://www.portaldenoticias.com.br/colunista/53/cronicas-artigos-joao-adolfo-guerreiro/