João Adolfo Guerreiro
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As galeras da santa

Os mineiros, assim como os marítimos (1), já foram categorias profissionais importantes na cidade de Charqueadas. Não é à toa que as festas católicas mais populares e tradicionais da cidade sejam Santa Bárbara, padroeira dos primeiros, e Nossa Senhora dos Navegantes (que nomeia a Igreja Matriz do município), protetora dos segundos. Aliás, anteontem comemorou-se o Dia de Navegantes, após uma novena realizada de 24 de janeiro a 1° de fevereiro.

Quem assistiu ou participou da procissão no domingo, dia 2, pela manhã, reparou no andor que os devotos carregavam pelas antigas ruas do bairro Beira Rio (2), sobre o qual a santa "navegava": uma galera azul e branca de madeira, com os mastros cortados um pouco acima da base. Esta, a mais recente, a terceira réplica, foi construída ano passado pelo jovem Renan Selbach, inspirada na original, de 1948...

Renan mesmo informa que a outra galera-andor (foto acima) que está atualmente no interior da Igreja Matriz Nossa Senhora dos Navegantes é a primeira réplica, construída em 2002, mesmo que tenha nela afixada a plaqueta da original que, com 72 anos, encontra-se guardada numa sala à direita da entrada do salão paroquial, necessitando de restauro, visto estar muito atacada pelos cupins. Foi construída de 10 de setembro de 1947 a 26 de janeiro de 1948 pelos artesãos Eduardo Daniel Silva e Juvelino Pereira Fraga, com o auxílio de "diversos marítimos, salientando os mestres Eneas Maurel e Álvaro Capelão e a cooperação da Mecânica e Carpintaria do Cadem", conforme atesta a plaqueta, onde ainda se lê: "galera oferecida pela guarnição do Rebocador Gaivota".

Essa réplica de 2003, segundo Selbach, foi feita a pedido do senhor Luís Henrique de Almeida Silveira, enquanto que a pequena que se vê em baixo dela na foto acima foi a segunda, também construída por Renan em 2015 a fim de servir como "treino" para a galera-andor de 2019 (3). Note-se, então, que a galera-andor original de Nossa Senhora dos Navegantes a aguardar reparos no "estaleiro" paroquial, foi entregue pela guarnição do Gaivota pouco depois da construção da Igreja Matriz. Conforme a senhora Ilsa, presente na missa festiva do domingo e bastante disposta para os 84 anos que não aparenta, a igreja foi inaugurada em 28 de outubro de 1945 (4). Ela diz que não esquece a data, pois foi justamente o dia em que ocorreu sua primeira comunhão.

Diz a canção de Nei Lisboa, Carecas da Jamaica: "aos piratas do subúrbio, as galeras do rei". Já todo o dia 2 de fevereiro, desde 1948 (5), aos católicos de Charqueadas, as galeras da santa, entoando-se a uma só voz a canção "Dai-nos a benção, a cada instante, Nossa Senhora, dos Navegantes".




Notas:

1 - Período conhecido como Porto das Minas, de 1882 a 1957, conforme o historiador charqueadense Saldino Pires (Charqueadas: sua história, sua origem, sua gente. Folha Mineira, 1986). Os rebocadores transportavam em chatas pelo rio Jacuí o carvão vindo de Arroio dos Ratos via trem. Em 1957, após uma greve nacional da categoria marítima - o primeiro movimento paredista ocorrido na cidade, esse serviço foi desativado. O Poço Otávio Reis fora inaugurado no ano anterior.
2 - A procissão ocorria em seus primeiros tempos no rio Jacuí. As embarcações, apinhadas de gente, saíam do porto e se dirigiam até a Granja Carola, retornando. Em 1974 o choque entre barcos ocasionou um grave acidente com vítimas fatais (Pires, 1986).
3 - Renan Selbach constrói pequenas réplicas aos interessados. Contatos podem ser feitos pelo fone 51 980 593 266.
4 - Informa Pires (1986) que a Igreja Matriz "foi benta solenemente" em 2 de fevereiro de 1946, enquanto o primeiro pároco, padre Arnildo José Schultz, tomou posse em fevereiro de 1957.
5 - A primeira festa foi realizada em 1946 (Pires, 1986), há 74 anos.

João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 04/02/2020
Alterado em 29/01/2024
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