A educação pública e o Cálice de Fogo
"Não podemos cantar na superfície. Levamos o que lhe fará muita falta. Você deverá buscar para recuperar o que lhe tiramos. Mas passada a hora, adeus esperança de achar. Tarde demais, foi-se."
Passados 13 anos Aquele-Cujo-Nome-Não-Deve-Ser-Pronunciado voltou, conjurando a Marca Negra nos grupos de Whatts App durante a Copa América de Quadribol, para gáudio dos Comensais da Morte, que atacavam os trouxas como forma de protesto contra a presença de "sangue ruim" na Escola de Magia e "Balbúrdia" de Hogwarts. Tal política de educação inclusiva, pública e gratuíta, promovida pelo seu diretor Alvo Dumbledore, incomodava a endinheirada elite de "sangue puro", que via como acinte a presença dos mestiços naquele milenar instituto federal de ensino médio, processo que também ocorria nas universidades públicas federais.
A sanha de Você-Sabe-Quem, então, depois de cortar verbas das instituições de ensino, voltou-se para a autonomia e democracia destas, corrompendo o processo de escolha dos direitores e reitores, tradicionalmente realizado através do Cálice de Fogo, que sempre escolhera de forma objetiva e isenta o campeão de cada uma, após o voto de professores e alunos, bruxos e bruxinhos do saber libertário e emancipador oriundo da Pedra Filosofal. A manipulação se deu mediante um novo critério: agora, apenas os que tivessem mais de 17 anos poderiam ter seus nomes incluídos no Cálice de Fogo. E, para agravo da situação, o Olho-Tonto, farsante professor que conspurcava a disciplina de Defesa Contra as Artes das Trevas, ainda achou maneira parcial de interferir na imparcialidade necessária ao processo, instruindo, ao arrepio das leis do mundo da magia, uma das partes envolvidas a fim de induzir a sentença do Cálice. Olho-Tonto, discípulo de Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, se transfigurava como professor utilizando a Poção Polissuco, a fim de se passar, ladinamente, por algo e alguém que ele não era.
Enquanto tudo isso acontecia, os trouxas, sempre alheios às coisas do mundo da magia, e os elfos domésticos, fatalistas ante a exploração a que eram submetidos, tocavam suas vidinhas como se houvesse futuro, em tal situação, para os que não fossem "sangue puro". Os elfos, circunscritos à invisibilidade social tanto de seu trabalho quanto de sua posição na estrutura de classes, não reconheciam sua infelicidade, chegando a afirmar: "Elfos domésticos não tem o direito de ficar infelizes quando tem trabalho a fazer e amos para servir". Mais: revoltavam-se ante a tentativa de bruxinhos e bruxinhas em lhes ajudar a sair de tal adversidade, olhando feio para o elfo Dobby, apreciador tanto da liberdade quanto do trabalho justamente remunerado, corporificado em um salário digno e direitos trabalhistas e previdenciários, ciente que era de ser um sujeito igualmente dotado de poderes mágicos.
Já os docentes e, principalmente, os discentes de Hogwarts, se irmanavam na consciência e na solidariedade de classe, unindo forças com seus pares de outras escolas, como Beauxbatons e Durmenstrag, vindas do exterior para uma competição de magia estudantil internacional ali sediada. Como tal espectro igualmente assombra mestiços de outros países, agora eles enfrentavam de forma unificada dragões, resgatavam os que se encontravam adormecidos embaixo d'água e procuravam sair do labirinto cheio de armadilhas em que consistia a conjuntura, com uma Maldição Imperdoável em cada curva. Alguns eram cooptados por Você-Sabe-Quem enquanto sob efeito da Imperius e, assim, defendiam suas teses publicamente; outros, coagidos sob a tortura da Cruciatus, temiam perder seus empregos; e havia até os assassinados pela terrível maldição Avada Kedavra, com sua luz verde revivendo o integralismo de tempos idos.
Todavia, a pior das armadilhas era um engodo ao final do labirinto, a Taça Tribuxo, que Olho-Tonto transformara em Chave de Portal que, em vez de conduzir à saída e à liberdade, remetia até o cemitério onde ele, Lorde Voldemort, se encontrava, junto a seus Comensais da Morte. Ali tramavam seu retorno à vida plena, produzindo reformas que usariam os ossos, a carne e o sangue de trouxas, elfos e mestiços para alcançarem tal objetivo. Algo, entretanto, atrapalhou momentaneamente os planos de Valdemort e seus asseclas, eis que as manipulações de Olho-Tonto foram interceptadas por Rita, a jornalista do Profeta Diário, e essa começou a divulgá-las, revelando coisas que somente um efeito Priori Incantatem traria à tona durante um duelo de varinhas mágicas. Também no mundo da magia todos gostam de grampos, mas não de serem grampeados, mesmo que seja por um animago clandestino transformado em besouro.
Ante o perigo que a realidade apresenta para e educação pública, gratuíta, democrática e inclusiva, Dumbledore avisa aos alunos na cerimônia de encerramento do ano letivo: "Repito a todos, à luz do ressurgimento de Lorde Voldemort, seremos tão fortes quanto formos unidos e tão fracos quanto formos desunidos. O talento de Lorde Voldemort para disseminar a desarmonia e a inimizade é muito grande. Só podemos combatê-lo mostrando uma ligação igualmente forte de amizade e confiança. As diferenças de costumes e língua não significam nada se os nossos objetivos forem os mesmos e os nossos corações forem receptivos".
"Creio - e nunca tive tanta esperança de estar enganado - que estamos diante de tempos negros e difíceis".
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 16/07/2019
Alterado em 17/07/2019