Tarso de Castro: o verdadeiro
gaúcho de Passo Fundo
[Está nos cinemas o documentário A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro, o famoso jornalista gaúcho fundador do antológico jornal O Pasquim. A propósito, republico, abaixo, artigo que fiz sobre o mesmo aqui no Portal em 13 de maio de 2014.]
Passo Fundo não legou apenas a Jornada de Literatura, Volmar Santos (fundador da Coligay) e Teixeirinha para a história de nosso Estado. Aliás, o cantor, que compôs a canção e produziu o filme “Gaúcho de Passo Fundo”, não era nascido na cidade, era natural de Rolante. Mas Tarso de Castro era. E fez jus, nos 49 anos em que viveu, aos versos da famosa canção: “Me dá licença vou encilhar o cavalo, Brasil afora atravessei os estados, troteando apressado eu vim tirando o talo, pra ver as prendas do mundo, cheguei em Passo Fundo no cantar do galo.”
Brizolista ferrenho por influência do pai, Tarso começou a escrever no jornal deste, O Nacional, de Passo Fundo, passando depois para a Última Hora em Porto Alegre e, por fim, para a redação do mesmo diário no Rio de Janeiro. Mas não ficou só nisso: em plena Ditadura Militar, no ano de 1969, foi, junto com o cartunista Jaguar e com o jornalista Sérgio Cabral, um dos fundadores de O Pasquim, o mais famoso e paradigmático dos semanários de oposição do período (no RS havia o Coojornal). Tanto que, fora Millôr Fernandes, todos os seus colaboradores (o cartunista Ziraldo e o jornalista Paulo Francis entre eles) foram presos, em novembro de 1970, devido a publicação de uma charge sobre o Dia da Independência. Esse, sim, foi o ápice de sua carreira jornalística, mas trabalhou também nos jornais Zero Hora, Jornal do Dia, Folha da Tarde e Folha de São Paulo.
Assim como Sidney Magal, Tarso era um verdadeiro amante latino e gostava “das mulheres, da noite e do vinho” que, no seu caso, era uma garrafa de uísque. Pouco lembrado (e até esquecido) por sua notável carreira, entrou para o “folclore” pop mundial por ter namorado a famosa e bela atriz estadunidense Candice Bergen, no final dos anos 1970, quando a mesma estava no auge da carreira e da forma física. Tarso era uma espécie de Renato Portaluppi de seu tempo, só que, em vez de fazer fama no retângulo de grama, o fez no retângulo de papel, concomitantemente ao retângulo de lençóis.
O enlace se deu no Rio de Janeiro e em Salvador. Diz a lenda que Tarso tinha uma foto com Che Guevara, quando este esteve em Punta del Este na Conferência Econômica e Social da OEA em agosto de 1961. Para Candice, ele teria dito que havia entrado em Havana com Che em 1959, durante o triunfo da Revolução Cubana. A loira atriz, em conformidade à fama da cor dos cabelos, teria acreditado em Tarso, tanto que escreveu em sua autobiografia que “conheci toda a espécie de homem, de um guerrilheiro latino americano [Tarso] a um sheik saudita”. O fato é que o jornalista Ricardo Kotscho testemunha ter encontrado os dois no apartamento de Leonel Brizola em New York, no último dia de exílio deste, e que a mesma estava, conforme suas palavras, “cheia de amor pra dar”.
Interessante em tudo isso notar como o “capital social” de Tarso como amante latino conta mais atualmente para sua lembrança do que o “capital cultural” proveniente da importância histórica de sua passagem por O Pasquim para o jornalismo brasileiro. Sintoma da futilidade de nosso tempo? Kotscho nos oferece uma resposta possível: “Em tempos de pensamento único e paus mandados, das fitas e gravações clandestinas oferecidas de bandeja para o ‘jornalismo investigativo’, não fosse pela bebida, Tarso teria morrido de desgosto. Sem querer ser nostálgico, a verdade é que não existe mais lugar para jornalistas como Tarso de Castro, jornalistas com redação própria, como se dizia...”
Dia 20 de maio farão exatos 23 anos [NR – 27, agora em 2018] de sua morte (1991) por cirrose hepática, coerente com sua propalada filosofia de vida: “prefiro viver pela metade por uma garrafa de uísque inteira a viver a vida inteira bebendo pela metade”. A noite é boa, mas não perdoa. Está enterrado em Passo Fundo, claro. Como dar conta de uma vida como a dele em 4.000 caracteres com espaços é impossível, quem quiser saber mais sobre pode comprar sua biografia escrita pelo jornalista Tom Cardoso: 75 kg de músculos e fúria: Tarso de Castro – a vida de um dos mais polêmicos jornalistas brasileiros, Editora Planeta.
[PS – A biografia é difícil de encontrar, está esgota há tempos e não foi relançada. Já o documentário está em cartaz em Porto Alegre, no Espaço Itaú, no Shopping Bourbon Country. Recomendo!
Texto publicado no site do Jornal Portal de Notícias em 29 de maio de 2018:
https://www.portaldenoticias.com.br/ler-coluna/626/tarso-de-castro-o-verdadeiro-gaucho-de-passo-fundo.html