João Adolfo Guerreiro
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Índios e padres e bichas, negros e mulheres

Lendo uma entrevista do escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940 – 2015) a um jornal quando da publicação de seu livro Futebol ao Sol e à Sombra (1995), vi-o respondendo a uma pergunta sobre aquela determinação do então técnico argentino Daniel Passarella de que não convocaria homossexuais para a seleção de seu país e, além disso, jogador que não cortasse o cabelo seria cortado. Nem recordava mais desse fato.

Neste primeiro semestre do ano tivemos as tradicionais efemérides da mulher (março), do índio (abril) e, mas recentemente, agora em maio, do “fim” da escravidão no Brasil (dia 13 - 130 anos da Lei Áurea) e o Dia Internacional de Luta Contra a Homofobia (17). E observo que coisas como essa de 22 anos atrás na Argentina não mais ocorreriam hoje, de forma explícita em um âmbito institucional ou corporativo, pelo menos, o que revela um avanço na luta contra o conservadorismo em favor de uma sociedade plural e tolerante.

Embora o conservadorismo reaja, às vezes até de maneira sofista, usando de subterfúgios para defender em nossos dias o preconceito discursivo como algo “cultural” ou “natural”, como se ele não possuísse, sim, um caráter estigmatizante e excludente, podemos concluir que certas pontes e “passarellas”, ao serem derrubadas nessa luta, não mais são erguidas. Os conservadores não conseguem retomar o terreno perdido, apenas impedem a continuidade do avanço de bandeiras que, todavia, mais tarde, voltarão à pauta da sociedade.

“Enquanto os homens exercem seus podres poderes / Morrer e matar de fome de raiva e de sede / São tantas vezes gestos naturais” – cantou Caetano Veloso em seu LP Velô, em 1984, falando um pouco daquilo  que é considerado “natural” em sociedade. Em sociedade, sabemos, a história o demonstra, quase nada é natural, mas sim socialmente construído e está em constante processo de transformação. E em todo o mundo, embora em velocidades diferentes, conforme o caso.

Por mais que vejamos políticas afirmativas de direitos para grupos sociais como os acima mencionados no segundo parágrafo serem contestadas ou relativizadas por uma ação política conservadora, o fato é que elas vão se estabelecendo aos poucos, através das décadas, e a sociedade as absorve como conquistas fundamentais. Os pequenos recuos que o conservadorismo, por vezes, impõe, são efêmeros. No Brasil, atualmente, estamos assistindo a um período desses, de pequenos recuos nessa questão. Embora seja óbvio que esses mesmos grupos sofrerão bastante as mazelas da reforma trabalhista aprovada ano passado, no que tange a determinados direitos, creio ser esse um processo sem volta que em breve retomará a ofensiva, eis que a sociedade reagirá ao aumento da exclusão social que as leis aprovadas no governo Temer provocarão no curto e médio prazos.

E, assim, outro trecho da canção do Caetano soará e será ouvido por mais de zil anos, profético: “Enquanto os homens exercem seus podres poderes / Índios e padres e bichas, negros e mulheres / E adolescentes fazem o carnaval”, para ocaso das e dos “passarellas”.

Texto publicado no site do Jornal Portal de Notícias em 22 de maio de 2018: https://www.portaldenoticias.com.br/ler-coluna/618/ldquo-indios-e-padres-e-bichas-negros-e-mulheres-e-adolescentes-rdquo.html
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 10/07/2018
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