Queimadores de livros
Há 85 aos, mais exatamente em 10 de maio de 1933, os nazistas realizaram uma grande festa por toda a Alemanha. Tal qual o nosso São João, fizeram muitas fogueiras. Com livros.
Os chineses, durante a Revolução Cultural comunista, cometeram coisa parecida, mas daí não foi somente com livros. Os liberais conservadores estadunidenses, em outubro de 1948, há 70 aos, queimaram gibis. Piromaníaca toda essa gente? Com certeza! Todavia, algo mais, também: fundamentalistas e sectários. E vejam que não foi apenas em países os quais Hannah Arendt definia como totalitários, em Origens do Totalitarismo (1951), como URSS e Alemanha. Para Arendt, era um fenômeno de extremas esquerda e direita.
Claro que os nazistas eram totalitários! Assim como os fascistas italianos, na mesma época e na mesma desgraça. Cito os italianos apenas para explicar que totalitarismo (o fascismo é exemplo) é uma forma extremada de autoritarismo e que nem todo o autoritarismo é totalitário. Por exemplo: o autoritarismo da Ditadura Militar no Brasil não era totalitário. Logo, chamar a atual extrema-direita brasileira de fascista é exagerado. São herdeiros de um tipo de autoritarismo violento e antidemocrático que não foi totalitário. No Brasil somente os antigos integralistas eram totalitários, eis que fascistas. Mas não queimaram livros, até porque não chegaram ao poder, visto que Getúlio Vargas os combateu e extinguiu.
Não vou explicar o que é autoritarismo e totalitarismo, isso fica para outro texto. Aqui só importa saber que são coisas parecidas, mas diferentes. Importa saber é que autoritários e totalitários gostam de queimar papel, especificamente aqueles que possuem letras e desenhos impressos, por discordarem de seu conteúdo e entenderem que as pessoas não devem ter a opção de lê-los. E, geralmente, pessoas fundamentalistas, sectárias e autoritárias atacam sistemática e agressivamente determinados autores e suas idéias, mesmo que demonstrem não ter intimidade com a bibliografia destes.
Ué, porque motivo o fazem, então? Por agirem sem refletir, calcados em julgamentos ideológicos fundamentalistas, que rotulam determinados pensamentos como impróprios. Em outro livro, Hannah Arendt explica esse agir irrefletido, irracional, de acordo com a ideologia dominante ou adotada por determinado grupo. Eichmann em Jerusalém (1963). Esse agir irreflexivo conduz ao que Arendt conceituou como “banalidade do mal”. Os dois livros citados explicam porque os nazis começaram queimando livros e terminaram queimando pessoas. E nos ajudam a refletir sobre o que acontece agora no Brasil.
Estaremos nós num proto-fascismo aqui? Ou seja, no gestar de um pensamento de extrema-direita, autoritário e antidemocrático que se expressa com agressividade e irreflexão na internet, combatendo sistematicamente aqueles que possuem posição ideológica avessa à sua e que podem passar no futuro a queimar livros e pessoas? Existe a possibilidade de um totalitarismo de extrema direita no Brasil hoje em dia? Espero que não, acho sinceramente que não, desejando que a coisa fique apenas na terra sem lei da realidade virtual, para bem dos livros e das pessoas. Da gente.
Texto publicado no site do Jornal Portal de Notícias em 11 de maio de 2018:
https://www.portaldenoticias.com.br/ler-coluna/604/queimadores-de-livros.html