Alemão barbudo há 200 anos na ativa - Karl Marx
Reflitam, caros leitores e leitoras: quantas pessoas ainda falarão de nós no ducentésimo aniversário de nosso nascimento? Pois do alemão barbudo daí da caricatura acima, ainda falam. Registre-se: falam bem e falam mal, mas, como dizem por aí, o importante é falarem da pessoa. Mesmo que a maioria daqueles que falem, tanto de bem quanto de mal, por incrível que pareça, demonstrem não ter lido livro algum dele.
Trata-se do famoso filósofo e economista político alemão Karl Marx que, se (impossivelmente) ainda estivesse vivo, completaria dois séculos de vida amanhã, eis que nasceu em 5 de maio de 1818. Seu pensamento filosófico e econômico ainda é pauta, principalmente o último, em virtude da crise econômica que assola o mundo capitalista desde 2008. Pois, se houve alguém que foi um precursor no estudo aprofundado do funcionamento da economia capitalista, advertindo para o caráter cíclico de suas crises sistêmicas, essa pessoa foi Karl Marx. Daí sua utilidade ainda hoje.
Curiosamente, por outro lado, Marx é mais conhecido como o “pai” do socialismo. Errado: o socialismo já existia quando Marx começou a elaborar um pensamento de cunho socialista de caráter científico, em contraposição à produção “idealista” sobre o tema. E, de fato, escreveu mesmo foi sobre a sociedade capitalista de seu tempo, sendo que, justamente por isso, sua “obra máxima” é o livro O Capital, de 1867, que, na verdade, é uma “trilogia” que possui ainda um adendo, um quarto livro, denominado Teorias da Mais Valia, bem difícil de encontrar (tem edições em português antigas da Difel e da Civilização Brasileira), ao contrário dos outros três, frequentemente reeditados.
A influência de sua obra foi enorme para o final do século XIX e todo o século XX: toda a experiência comunista posterior à sua produção bibliográfica foi por ela norteada. Dizem inclusive que, por tal motivo, é o filósofo cujo pensamento teve maior repercussão na vida das pessoas até hoje.
O que entendo ser uma grande contribuição de Marx para os dias atuais, principalmente para pessoas de esquerda, é que toda luta social e política depende de uma teoria poderosa como instrumento. O recente filme do diretor Raoul Peck, O Jovem Marx, explicita muito bem essa faceta. Marx, além de resenhar criticamente toda a ciência econômica de seu tempo (à época denominada Economia Política), estudo que justamente está contido em Teorias da Mais Valia, analisou também a complexidade funcional do modo de produção capitalista a fim de embasar a luta pela transformação social em favor do proletariado, isto é, dos trabalhadores assalariados fabris, a classe que é essencialmente explorada no capitalismo. E, para isso, criticou também a teoria socialista que classificou como “utópica”, sem fundamentação econômica consistente, com destaque para o pensamento do francês Pierre Proudhon, ao qual chamou de “mau economista” e contra quem escreveu A Miséria da Filosofia, um contraponto ao livro de Proudhon intitulado A Filosofia da Miséria. Fora ter denunciado o caráter classista dos pensadores liberais de seu tempo, ou seja, em suma, de que produziam não uma ciência acerca da economia, mas sim uma construção ideológica limitada aos interesses da classe que representavam, os proprietários capitalistas.
Obviamente Marx pagou um preço por tudo isso: o de uma vida de exílio (França, Bélgica e Inglaterra) e falta de dinheiro. Basicamente, foram três as principais fontes de renda de Marx: o companheiro intelectual Engels, que gerenciava as fábricas de tecido do pai na Inglaterra e, com o dinheiro, ajudava Marx e financiava o movimento socialista; heranças da família de sua esposa, que era da aristocracia alemã; e artigos que vendia para a imprensa dos Estados Unidos. Isso mesmo, o grande pensador comunista era sustentado pela imprensa americana, pela nobreza alemã e pela indústria inglesa! A mãe de Marx, que era de família judia (assim como seu pai), teria dito que se o filho tivesse se preocupado em ganhar o capital em vez de escrever sobre ele, teria uma vida bem melhor. Se ela realmente disse isso não se sabe com certeza, mas que era uma baita verdade, ah, isso era. Tanto que Marx morreu pobre, em 1883.
Entretanto, o caminho escolhido por um intelectual único do porte de Marx instrumentalizou a luta por mais direitos e melhores salários da classe operária de todo o Ocidente até o presente. Se tivesse seguido o suposto conselho materno, não seria até hoje lembrado, com toda a certeza, e isso também é uma baita verdade.
Texto publicado no site do jornal Portal de Notícias em 04.05.2018: http://www.portaldenoticias.com.br/ler-coluna/592/alemao-barbudo-ha-200-anos-na-ativa.html