Quando Hitler chegou ao poder na Alemanha, em 30 de janeiro de 1933, tornando-se Chanceler, não havia nada em sua figura que, aos olhos do mundo, chegasse minimamente perto da imagem que hoje se tem desse personagem histórico. O bicho papão de então era o movimento comunista, especificamente a União Soviética liderada por Josef Stalin. O profundo anticomunismo dos nazistas, inclusive, foi um dos fatores que impulsionou seu crescimento, garantindo apoio de setores do grande empresariado alemão.
Quase ninguém imaginava que aquele episódio da política interna alemã iria dar na Segunda Guerra Mundial. Para dizer a verdade, o único que implicava com o ex-cabo do exército e pintor era um político inglês, o liberal conservador Winston Churchill, que, também, não gostava dos comunistas. Churchill lera (e entendera) “Minha Luta”, livro que Hitler redigira na prisão (por liderar uma tentativa de golpe na Baviera em 1923, o Putsch da Cervejaria, em Munique) e lançado em 1925. Tudo o que aconteceu depois, pasmem, estava escrito lá, como “programa de governo”. Hitler era um político muito coerente, de compromisso e de palavra.
Ao assistirmos O Destino de Uma Nação, em cartaz nos cinemas, percebemos que, mesmo quando a coisa ficou feia, em 1940, ainda havia quem achasse que era possível negociar com Hitler. Churchill, que chegara ao cargo de primeiro ministro respaldado por ter sido o primeiro a ver o perigo, enfrentava pressão dentro de seu próprio partido, o Conservador, para que negociasse a paz, visto que a França já fora ocupada.
Além disso, por um lado, os soviéticos já haviam assinado um pacto de não agressão com a Alemanha, e, por outro, os Estados Unidos mantinham rigorosamente sua neutralidade, lavando as mãos. A cena em que Churchill liga para o presidente americano e pede o envio de equipamentos de guerra que a Inglaterra havia encomendado e pago aos EUA e recebe uma esquiva, soa inacreditável hoje, mas foi exatamente o que aconteceu.
Claro, atualmente todos sabemos que os nazistas saíram de controle e que soviéticos e americanos, aliados aos ingleses, foram fundamentais para a derrota de Hitler em maio de 1945. Mais: depois que a filósofa política Hannah Arendt escreveu As Origens do Totalitarismo (1951), estabelecendo claramente o conceito do fenômeno, tem-se um entendimento preciso do processo que leva a essa forma extrema de autoritarismo.
Sim, o totalitarismo é isso, uma forma extrema de autoritarismo, eis que nem todo o autoritarismo é totalitário. E pode ser tanto de direita quanto de esquerda.
O que esse fato histórico ensina, 85 anos depois? Que ver a serpente dentro do ovo, em gestação, é difícil. Em 1933, mesmo com “Minha Luta” nas bibliotecas, quase ninguém viu. Deu no que deu.