Alemanha, 31 de outubro de 1517 – Enquanto o monge da Ordem dos Agostinianos e doutor em teologia Martin Luther (1483 – 1546), há 500 anos, caminhava em direção à Igreja Castelo de Wittenberg levando consigo papeis contendo suas 95 teses contra desvios que enxergava na conduta do catolicismo de sua época, com base nas leituras que fizera da Bíblia, talvez não tivesse a exata dimensão donde isso terminaria.
Desejava fixar as teses na porta da igreja, o meio, à época, para debater pontos de vista teológicos. Só que já estávamos no período da prensa de tipos móveis de Gutenberg e, ao lerem as teses de Lutero (como é mais conhecido em nossa língua), tiveram a ideia de imprimi-las e divulgá-las. Era o início do que entraria para a história como a Reforma Protestante.
Antes de Lutero, um rico comerciante francês, Pedro Valdo (1140 – 1217), depois de ler o Novo Testamento, teve ideia semelhante, doando toda sua riqueza aos pobres e pregando o Evangelho, propondo um retorno às origens do cristianismo. Foi expulso da França em 1184, indo para a Itália, onde fez uma tradução da Bíblia para o franco-provençal.
Menos sorte tiveram o teólogo de Praga Jan Hus (1369 – 1415) e seu discípulo Jerônimo de Praga (1379 – 1416):: pelo mesmo motivo, pararam na fogueira. Hus elaborou 45 teses baseadas no pensamento do inglês John Wycliffe (1328 – 1384). Teve contato na universidade com a obra de Wycliffe, que contestava práticas a Igreja Católica (18 teses) e, inclusive, traduzira a Bíblia para o inglês. Uma grave afronta, tendo em vista que a Bíblia só podia ser lida pelos membros do clero, em latim, língua em que as missas eram celebradas. Todavia, nada lhe aconteceu: Wycliffe era bem relacionado em seu país, onde os nobres estavam descontentes e desconfiados com o fato da Igreja estar provisoriamente sediada na França, em plena Guerra dos 100 Anos. Mas em 1428, anos depois da execução de Hus, noutra conjuntura política, seus ossos foram desenterrados e cremados. Isso mesmo, naquele tempo, até os mortos iam pra fogueira!
Informa a História que Hus encarou com bravura sua execução, afirmando que queimavam um ganso (significado de seu sobrenome), mas que dali 100 anos viria um cisne que eles não conseguiriam queimar. Dizem que era a Lutero que ele, profeticamente, referia-se. Se o foi, errou por apenas dois anos. O fato é que tanto valdenses quanto morávios (nome posteriormente dado aos seguidores de Wycliffe – Hus) foram os primeiros protestantes. Inclusive, ainda existiam, em pequena quantidade, em 1517.
O papa Leão X (1475 – 1521) desejava fazer vigorosas construções no Vaticano e, para isso, vendia indulgências, papeis por ele assinados que as pessoas compravam e, assim, pagavam para elas e seus parentes mortos irem para o paraíso. A indulgência era o ponto central da crítica de Lutero. Era algo tipo dEU$ e jE$U$ contra Deus e Jesus, tendo a leitura e interpretação das Sagradas Escrituras como espaço de legitimação e disputa.
Lutero foi protegido pelo príncipe de sua a região, eis que a disputa também envolvia uma questão de poder, já que a Igreja, através do “monopólio da Palavra”, possuía influência política transnacional sobre a nobreza europeia, o que, claro, contrariava intere$$e$ político$ e econômico$. Fugindo da perseguição de Roma e escondido no Castelo de Wartburg, traduziu a Bíblia para o alemão, tradução essa impressa¹ e distribuída por toda a Alemanha em setembro de 1522, para que as pessoas comuns pudessem ler. Acabavam, assim, o “monopólio da Palavra” e os “intermediários de Deus”.
A Reforma mudou a face do Ocidente não apenas no sentido religioso, mas também reforçou a possibilidade de uma pluralidade de pensamento, ao descentralizar o poder político-ideológico teocrático. Assim, não apenas todo o tronco que se originou da Reforma, dos protestantes da época [Calvino (1509-1664), Zwinglio (1483-1531)] aos atuais pentecostais, deve a Lutero.
1 – Somente o Novo Testamento, baseado na edição crítica de 1516 de Erasmo de Rotedã. Uma tradução completa da Bíblia, feita por Lutero, seria impressa e publicada em 1534.