A Palavra e a Páscoa
Quando os poderes político e econômico se fundem com o poder religioso, a fé vira instrumento de legitimação de interesses de grupos sociais e é pervertida, afastando-se do amor ao próximo e ficando regida pelo egoísmo. Assim era no tempo de Jesus e, por muito tempo, o foi no mundo. Como Jesus predisse na Santa Ceia: o ódio sem causa e o assassinato em nome de Deus.
A Palavra, assim, é facílima de ser entendida e, também, de ser deturpada em prol de interesses a ela alheios. Difícil é praticar a Palavra. Exige muito. Amar ao próximo exige vigília permanente contra o egoísmo e desapego da matéria. "A carne é fraca". Somos seres encarnados. Jesus era um ser encarnado. Disse: "Pai, afasta de mim esse cálice". E, se até ele, o Filho de Deus, sentiu o peso da carne, imagina a gente, almas imperfeitas em evolução.
Hoje, as festas religiosas são incorporadas culturalmente pelo poder econômico: os presentes no Natal (que, sabemos, é uma festa convencionada pela Igreja) do Papai Noel e os ovos de chocolate do Coelinho da Páscoa. Eu, quando criança, associava a Páscoa a: Jesus na cruz, peixe na Sexta-feira Santa e, uau syl, os ovos de chocolate do Domingo de Páscoa. Ainda é assim, com o peixe e os ovos de chocolate em evidência, visto o lucrativo comércio que ensejam. Seria a versão atual dos Vendilhões do Templo, que Jesus expulsou no Domingo de Ramos?
Sim, é muito provável, mesmo que seja duro dizer isso. Embora, por outro lado, sejam costumes associados à Páscoa até por iniciativa das igrejas. Bom, geram emprego e renda, isso é verdade, e é algo positivo. Mas a guerra também gera emprego e renda! Vide o Oriente Médio, há décadas. A Síria, hoje, por exemplo. Sei, óbvio que soldados e bombas e peixes e bombons são coisas bem diferentes: uns matam as pessoas e outros matam a fome das pessoas. Usei a comparação extrema para salientar que, nessas coisas, importa o sentido, a simbologia e, assim, os peixes e os coelhos de chocolate passam, no comércio atual, ao largo da reflexão íntima sobre o exemplo extremo de amor ao próximo dado por Jesus há 1990 anos numa Páscoa Judaica em que foi difamado e executado em nome de Deus.
Jesus trouxe a "Boa Nova", um Novo Testamento atualizando o Velho Testamento. Trouxe o Deus Pai, distanciando-o do Deus Senhor: O Deus que ama e perdoa em contraponto ao Deus que odeia e mata. O Deus genoroso, não o Deus vingativo, o Deus que envia Seu Filho em tarefa de sacrifício pelos pecados do homem.
Na Sexta-feira Santa comemos o peixe em família, e isso é algo muito legal. Refletimos sobre Jesus, ao cumprirmos o costume da abstinência de carne (outra convenção da Igreja, aliás, já abandonada por ela)? Buenas, tem gente que só come peixe por achar que é pecado comer carne nesse dia! Imagina então se vão refletir sobre Jesus? No domingo nos entupimos e entupimos nossas crianças de chocolate. Isso também é legal. Mas refletimos sobre Jesus?
Logo, o problema não está nesses "acessórios", o peixe e o coelho de chocolate, mas em nós mesmos e na apropriação comercial da Páscoa, o que gera uma deturpação cultural do sentido religioso. São os Vendilhões do Templo, as Trinta Moedas de Judas, é o mundo. Podemos concluir que os peixes e os colelhos são igualmente vítimas desse sistema.
E, se o sentido da Palavra é deturpado na Páscoa, fica muito fácil sermos como a Figueira Seca da Segunda e Terça-feira santas. Os líderes religiosos do tempo de Jesus o eram, pois amavam Deus mas não amavam ao próximo, eis que nada praticavam (e frutificavam) em benefício destes. Ao contrário, eram hipócritas, pois usufruiam materialmente de sua fé, explorando o povo. Assim, amar a Deus não basta. É praticar o amor ao próximo, mostrando compreender a Plavra e, de fato, amar a Deus. Só imagem e pompa é esterelidade.
Hoje é o dia que, ao amanhecer, Jesus já havia ressussitado e abandonado o sepulcro . É a vida que permanece, é a Palavra que vive. Palavra que pode ser resumida em: ame ao próximo e faça o bem que deseja para ti a ele. Só isso. Se mesmo as pessoas que não possuem religião ou fé praticassem isso, o mundo seria um lugar bem melhor para se viver.
"Coelinho da Páscoa, que trazes pra mim?
Um ovo, dois ovos, três ovos assim?
Coelinho da Páscoa, que cor ele tem?
Azul, amarelo e vermelho também?"
Não é por aí.
"Vigiai".