"Boa sorte, doutora."
Leiam esse desabafo de uma médica do SUS, colhido em sua linha do tempo no Facebook:
"- Boa sorte, doutora - ela me falou, não sei se realmente preocupada, ou se irônica, mas me irritou. Não irritou, me feriu na verdade. Fiquei ferida e impotente.
Quanto vale uma vida? Como podemos colocar preço em uma vida? Essa idéia sempre me causou repúdio. Mas a resposta existe, fria, feroz e real. (...) Toda vez que me deparo com essas situações de impotência, lembro disso. E isso me fere. Ainda mais porque a vida dos pobres vale muito menos. Mas por quê?
Ela, que precisava contabilizar o tempo e a importância do recurso que iria liberar para o meu paciente, comentou: 'Não é viável manter essa ambulância presa por tanto tempo, por causa de um paciente.' Quem ela está protegendo? O recurso do estado? E meu paciente? Não deveríamos estar em guerra. Mas entendo. Faz parte do trabalho no SUS, infelizmente, priorizar recursos. Geralmente os priorizamos para pacientes que tem mais chance de usá-lo com sucesso, para não desperdiçá-los, porque são raros. É a frieza do dia a dia contabilizada. E isso nos fere.
E eu faço isso todo dia também. Não sei porque se demoniza os médicos nesse país. (...) O que temos são profissionais abandonados, que foram feridos, repetidamente, e por fim, muitos se esqueceram de suas próprias humanidades. Temos que resgatá-los. Tratar essas feridas, desembaçar a visão para que se possa enxergar novamente o valor de cada vida.
Entendi meus colegas, e provavelmente agiria exatamente da mesma forma, quando pedi priorização de recursos para um paciente 'estatisticamente condenado', porque a partir do momento que ele leva o diagnóstico de câncer, sua prioridade cai. Ainda mais quando tenho que decidir entre liberar recurso para um paciente com câncer (que não tem cura) ou para uma criança com pneumonia, fica gritante a ferida. Estamos todos expostos. O nervo à mostra, sensível, doendo.
Eu estava cansada. E chorei, porque não havia o que eu pudesse mostrar. Estava vencida pelo diagnóstico. Nós médicos e profissionais da saúde não impedimos a morte, apenas adiamos. E essa diferença, a meu ver, é crucial. Porque é o que faz sentido atendermos qualquer doença. Porque o recurso precioso que temos que preservar é CADA dia de vida. E cada dia de vida consciente, sem dor e sem sequelas deveria ser mais urgente do que qualquer outra coisa. Era o que eu queria dizer, mas estava ferida demais.
O que você seria capaz de fazer para dar mais UM dia de vida para o seu pai? Seu amor? Seu parente? Mas ele só vai viver mais 3 meses, no máximo. Esse aqui pode viver mais 50 anos.
Eu daria tudo o que eu tenho, e até mesmo a minha vida, por mais 3 meses. É assim mesmo, é cruel. Porque o certo é não haver esse questionamento. O certo é fazer ter recurso para tudo isso. Porque a doença sozinha, já nos fere o suficiente.
Por que o sistema é tão cruel com todos nós? Porque nós deixamos. Porque um cidadão pode falar: 'A saúde tem que se adequar ao orçamento.' E nós aceitamos, sem questionar. Sem refletir que nós geramos o orçamento. Mas não controlamos a implacabilidade da doença. E não impedimos a morte. Nós prolongamos a vida. (...)
Não sou ingênua, não preciso de sorte. Preciso de recursos.
Jule Santos, médica do Hospital Regional de Santa Maria, Brasíia/DF, 7 de outubro às 22:33."
Leram? Agora reflitam sobre o que significará a aprovação da PEC 241, que limita os aumentos de gastos com saúde (e educação), para a vida das pessoas que dependem do SUS...
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“#OCUPaTudoCharqueadas” - Nesta página do Facebook é possível acompanhar todas as atividades do movimento dos alunos e professores do IFSul Charqueadas contra a PEC 241. Link:
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ATO PÚBLICO - Na próxima segunda-feira, dia 24, data marcada para a votação da PEC 241 na Câmara dos Deputados, acontecerá um ato contra a mesma em Porto Alegre, na Esquina Democrática, às 18h30min.
Texto publicado na seção de opinião do jornal Portal de Notícias, versões online e impressa:
http://www.portaldenoticias.com.br