Consumado
Depois da votação pelo afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff no Senado Federal, na quarta-feira, ao sair pelas ruas da cidade onde resido, Charqueadas, parecia ser esse um dia normal, e não uma data histórica que irá gerar muitos desdobramentos à curto, médio e longo prazos na vida concreta das pessoas.
Nenhum movimento comemorando ou protestando contra um resultado que já era esperado. Talvez até por isso mesmo a apatia observada. Todavia, naquele momento o golpeachment estava consumado. Nem golpe, nem impeachment, mas a mistura dos dois: impeachment, por ter cumprido um rito legal e constitucional; golpe, por ter se dado por motivações políticas, tendo em vista os questionáveis e controversos argumentos jurídicos em seu favor que, inclusive, irão levar o caso para o STF. Sobre isso já escrevi muito e não vou, agora, chover no molhado.
Já falei também aqui na semana passada que o golpeachment foi para o PMDB e Temer livrarem sua pele da Lava-Jato, abandonando o barco do PT e pulando para o do PSDB/DEM, com a vantagem de ficar controlando o timão do governo. Contudo, os desdobramentos futuros do golpeachment não deixam margem para relativização: vão se constituir num golpe de fato contra os assalariados, via as reformas da Previdência e da CLT, gestadas no governo Temer quando ainda interino, pressionado pelos grandes empresários via o seu braço midiático, ou seja, os grandes grupos de comunicação, que defendem uma agenda liberal. Nesse sentido é que, no momento em que os senadores aprovavam o impedimento da presidente por 61 votos contra 20, começava a luta contra o verdadeiro golpe, que será contra a sociedade, não contra políticos.
No final da tarde, na Esquina Democrática, em Porto Alegre, milhares de pessoas se concentravam para um ato público cujo mote principal era o “Fora Temer”. Ao se deslocarem subindo a Borges de Medeiros, entrando pela Salgado Filho e tomando o caminho da João Pessoa, já eram dezenas de milhares, uma multidão que, vista a olho nu, era composta por uma absoluta maioria de jovens e por ativistas políticos e sociais, lembrando muito as caminhadas de 2013 contra o aumento das passagens de ônibus. E não tenham dúvida: vai ser esse o pessoal que vai se juntar com as centrais sindicais contra as reformas em curso. Não esperem que o povo das camisas amarelas, composto, conforme as pesquisas realizadas nas portentosas manifestações pró-impeachment, em sua maior parte por pessoas de classe média acima dos 40 anos, esteja engrossando esse caldo.
O único senão da caminhada foi a depredação e a tentativa de incêndio da sede do PMDB na João Pessoa por um grupo de encapuzados, o que motivou a ação da BM. Esse é um lado perverso de nosso tempo, pois em manifestações pró-impeachment em outras cidades, durante 2015, também ocorreram ataques à sedes do PT. Se tais ações, por um lado, mostram pontos falhos no espírito democrático e tolerante de nosso povo, por outro não sobrepujam sua evolução.
Assim, consumado o golpeachment, resta saber como se desenvolverá esse novo front de disputa, que tende a iniciar no Congresso Nacional logo após as eleições municipais em curso. Uma disputa que contraria as expectativas da maioria da população, eis que tanto vai em sentido inverso ao programa eleito na eleição de outubro de 2014 quanto conta com a desaprovação de 80% da população em relação às reformas.
Texto publicado nas versões online e impressa na seção de Opinião do Jornal Portal de Notícias:
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 04/09/2016