Daqui um mês...
...ele fará 80 anos. Na verdade, irá comemorar o aniversário nessa data, eis que, oficialmente, dia 15 foi o seu nascimento. Na certidão. Pois, na verdadeira verdade, nasceu dia 14, às 23 horas e 30 minutos, numa noite fria de julho, tão fria como o são todas as noites de julho até hoje e o eram também antes disso por esses pagos, na terra que há muito tempo é chamada Mostardas, então ainda distrito de São José do Norte, faixa do mapa situada entre o Oceano Atlântico e a Lagoa dos Patos e onde se cultiva arroz e cebola. Seu pai só foi registrá-lo dias depois e se enganou com a data. Muita gente dessa época tem uma história igual para contar, tempos de longas distâncias, estradas difíceis e escassos meios de comunicação, combinação que atrasava em muito o registro das crianças.
Não damos em árvore e tampouco brotamos do chão. Viemos de uma comunidade, de uma família, de um pai e gestados no ventre de uma mãe. Por tudo isso, somos sujeitos históricos e sociais, determinados, em boa parte, pelo contexto onde paridos e criados. Raramente fazemos a relação ente nossa biografia e esse contexto, aquilo que Charles Wright Mills denomina de “imaginação sociológica”, todavia isso é um fato.
Ele nasceu em 1936. Três dias depois que veio ao mundo iniciou a Guerra Civil Espanhola. Em março daquele ano a Alemanha ocupou militarmente a zona desmilitarizada do Reno, violando o Tratado de Versalhes. Hitler já chegara ao poder e o mundo caminhava para a IIª Guerra Mundial, embora, em agosto daquele ano, ainda não esperasse por isso, tanto que a Olimpíada ocorreu na cidade de Berlim. Ele, inclusive, recorda das pessoas em casa ouvindo pelo rádio o fim da guerra, em maio de 1945, quando tinha 8 anos. Sua mãe era de origem alemã pelo lado materno, Raupp, imigrantes que se estabeleceram inicialmente em Torres, sendo que depois um núcleo da família veio para Mostardas, devido ao casamento de dois irmãos com membros de outra família, Velho, de imigrantes portugueses por sua vez estabelecidos naquela cidade. Getúlio Vargas era o presidente do Brasil e Flores da Cunha era o governador do Rio Grande do Sul. Ah, a historicidade...
Números, datas, estatísticas, estações, história. É, contudo, somos um coração pulsando e um pulmão aspirando e expirando. Pessoas. Carne, sangue, músculos, artérias, veias, nervos, tendões, ossos. Um cérebro pensante. Um ser que sente. Numa data como essa tudo isso se confunde, eis que somos unos e únicos em nossa complexidade individual inserida num contesto sócio-histórico.
Daqui um mês ele completará seu octogésimo inverno. Apenas 2% da população gaúcha tem 80 anos ou mais. Logo, entrará para um grupo seleto. Certa vez, durante uma formatura de Educação Física, eu estava no WC com outros convidados. Zombamos de um familiar setentão, dizendo-lhe que “a idade pega”. Este retrucou, rápido: “Quero ver é se vocês, com a minha idade, estarão tão bem como eu estou”. Um velinho que estava ao mictório ajudou-o: “É vizinho, se chegarem lá, se chegarem”. Vovô agourento, mas esperto: sabia do que falava. Não é para todo mundo mesmo. A vida é o que ela é, para cada um e para todos. Viver é sobreviver. Ele está bem. Ainda anda e tudo mais.
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REDUÇÃO DO NÚMERO DE VEREADORES – Charqueadas: entendo que essa medida é equívocada, ainda mais proposta às vésperas de uma eleição municipal, visto que um debate desta natureza não pode se dar de forma açodada. Já escrevi sobre isso aqui em outubro de 2015: “Não sou favorável à redução do número de vereadores (...). Em primeiro lugar, creio que o atual número de vereadores, treze, fortalece a democracia representativa, ao possibilitar que uma gama maior de grupos sociais tenha assento no Legislativo, dando conta da diversidade da população”.
Texto publicado em 17.06.2016 na seção de Opinião do Jornal Portal de Notícias, versões online e impressa: http://www.portaldenoticias.com.br