João Adolfo Guerreiro
Descobrindo a verdade/ sem medo de viver/ A liberdade de escolha/ é a fé que faz crescer.
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Regressão

Hoje eu passei a madrugada acordado no serviço. Pela manhã, dei aquela espiadinha básica no Bom Dia Brasil. Só olho no serviço, para espantar o sono e "ligar" o cérebro. A única notícia que me tocou foi a de que hoje faz 25 anos do jogo Itália 3x2 Brasil pela Copa do Mundo da Espanha, em 1982.
Fiquei pensado sobre o fato, pois recordo muito bem dele. Estava na casa da minha tia Dione, lá na Cohab, pois ela tinha TV a cores (o meu pai não tinha comprado ainda). A imagem acima é a que eu gravei daquele jogo, o segundo gol do Brasil, do "colorado" Falcão, que fez eu achar que a Itália estava no papo.
(Que chutaço lindo esse cara deu, e eu vibrei muito, como ele!)

Eu tinha 14 anos na época, havia feito aniversário há pouco. Assim, de memória, lembro também do passe errado no meio que o Toninho Cerezo deu e que originou um dos gols da Itália, nem lembro qual.
(Nem vou pesquisar para ver, pois uma crônica deve ser escrito de memória, sujeita aos erros, imperfeições e falhas da mesma, bem humana.)

Lembro também do Valdir Perez tomando os gols, lembro do Paolo Rossi, lembro do primeiro gol do Brasil, do Sócrates. Lembro também, e é a última lembrança que tenho do jogo, que, quando já estava 3x2, o Sócrates cabeceou uma bola para baixo e o goleiro Zoff encaixou ela. Acho que foi a nossa última chance no jogo.
(Aliás, daquela Itália só lembro do Rossi e do Zoff, de mais ninguém).

Soltei do serviço e saí andando. Resolvi ir de ônibus. Estava nostálgico. A casa onde eu morava quando era pequeno fica perto do meu trabalho, a uns cinco quilômetros da zona urbana de Charqueadas.
Fui até lá, fiquei olhando a velha paineira. Ah, a velha paineira! Como eu era "muito agitado" quando guri, me apelidaram, os amigos do meu pai, de "Loquinho da Paineira". Vejam só! E eu ainda conto isso pra vocês.
Olhei para a velha casa onde eu passei a infância, de madeira, igual as outras da rua, construídas pelo governo do estado para os funcionários da Brigada Militar morar. Acreditam que a pintura cor-de-rosa que o meu pai fez ainda está lá? Mas que barbaridade! E olha que saímos em 1979 desta casa, indo para a zona urbana de Charqueadas, de mudança para a Vila Cohab!

Lembro como se fosse hoje do meu pai misturando as cores para conseguir aquele tom de rosa. Ele acocado, ainda de uniforme, mexendo as tintas e eu olhando ele. Eu tinha uns 8 anos. Ele recém havia chegado do serviço, era de manhã cedo. Ah meu pai, ele era o único brigadiano com casa cor-de-rosa na Colônia!
Trabalhador o cabo Nery Mathias Velho Guerreiro, construiu muita coisa lá em casa. Sempre pintava, mexia com madeira, dava uma de pedreiro. Foi criado em Mostardas, trabalhando em granjas de arroz dos tios dele depois que o seu pai faliu ao perder duas colheitas.

(Ele tá ainda vivo, graças a Deus, criando barriga lá na casa da Cohab.
Segunda-feira eu dei um quadro do Grêmio Bi-Campeão Gaúcho pra ele. O velho tinha pregado uma toalha enorme na parede copa, com o mesmo pôster de estampa. Dei o quadro para tirar aquilo de lá. O que o cara não faz depois dos 70? Gastou uma grana preta reformando e aumentando toda a casa, para depois pregar na parede da copa uma toalha! Só vendo.)

Naquela casa onde residi na infância, na Colônia, lembro também do primeiro ( e único) Forte Apache que ganhei, da minha mãe.
Também não esqueço de uma arte que eu fazia e que até hoje o meu pai não sabe. E nem vai saber, pois ele não acessa Internet e não lê esta página.
(Se ele me flagrasse fazendo isso na época, era surra na certa!)
Eu esperava ele ir dormir após chegar do plantão e pegava o revólver dele. Isso mesmo, fazia sempre isso. E vocês podem acreditar que criança pega, pois é uma tentação irresistível.
Eu com aquele 38 na mão, maravilhado. Olhava os filmes do John Wayne, ele atirando... E eu tinha um revólver igual! Tirava as balas e ficava rodando o tambor. Me sentia poderoso fazendo aquilo.

Hoje, quando pego um revólver, não fico mais maravilhado. Primeiro, já não curto mais filmes de ação. Segundo, a minha mão já está maior, o revólver já não é um objeto tão imponente. Terceiro, ele me lembra do "lado negro da força". É um instrumento de morte, de sofrimento, não de alegria e de vida. Nem quando eu atirava freqüentemente, uns anos atrás, eu sentia emoção. Era só por obrigação profissional mesmo, no curso.
Penso que esse instrumento serve para tirar a vida de outra pessoa, para tirar tudo dela. Isso não me amedronta, apenas me incomoda. É o mal.

Eu lembrei também de que fui uma criança, até certo ponto, cruel. Meu passatempo predileto era matar formigas. E vez por outra minhocas. E cometia atrocidades piromaníacas! Pobres bichos, como pesa minha consciência até hoje.
Minha mãe me dava uns petelecos quando me pegava fazendo isso. Dizia: " - Dondinho, quando tu morrer vai ter que passar pelo céu das formigas e elas vão te queimar também!"
As formigas eu as incendiava depois de aprisioná-las dentro de caixinhas de fósforo, ou então ficava com um plástico queimenado na ponta de um pau e ia atirando os pingos quentes sobre elas no terreno, cheio de um prazer sádico.
As minhocas eu cozinhava vivas.

Eu não reconhecia aqueles bichos como seres vivos. Hoje é diferente. Quando eu vejo o pessoal comendo lagosta, sabendo que o bicho é cozido vivo, constato que estou evoluindo como ser humano. Capaz que eu vou comer um bicho que é morto de maneira tão cruel! E tem gente grande que faz isso. Quem sou eu para condená-los? Mas eu não como lagosta de jeito nenhum!

Mas, por outro lado, com os cães e gatos eu era muito apegado e carinhoso, reconhecia-os como seres vivos. Nunca judiei desses bichinhos. Já ajudei gata no parto, puxando um gatinho que estava preso (nasceu primeiro pelas patas traseiras, coitado, e morreu enforcado, mas os outros se salvaram). Vi muita cadela dando cria. E por isso, na infância, sempre fiquei horrorizado com as histórias de gente que ensacava gatinhos e cachorrinhos recém nascidos e jogava no rio. Ia às lágrimas com essas coisas.

Um dia, eu tinha uns 9 anos, um amigo me convidou para ir na beira do rio que ele ia fazer uma coisa. Chegando lá vi que ele tinha um saco cheio de gatinhos recém nascidos. Disse que ia jogar no rio. Eu insisti para que ele não o fizesse. Ele jogou assim mesmo, rindo às pampas.
Como ele era maior que eu, peguei uma pedra bem grande e, tomado de cólera,  atirei com toda a força na cabeça dele. Acertei em cheio e ele caiu desmaidado. Logo começou a sangrar em abundância. Eu fiquei com medo de tê-lo matado e corri. Pouco depois o pai dele estava no portão da minha casa falando com o meu pai. Levei uma surra daquelas! Depois soube que o guri tinha acordado logo em seguida e ido chorando pra casa.


É, mas hoje faz 25 anos da "Tragédia do Sarriá".
Que bobagem isso, tragédia coisa nenhuma.
Foi um jogo, foi chato perder, mas ninguém morreu por isso. 
Assim como o meu amigo de infância também não morreu.
Tragédia foram os gatinhos afogados, as formigas queimadas, as minhocas cozidas.
Tragédia é o pessoal comer lagosta!
Tragédia é uma moça morrer na terça-feira durante um assalto  a um carro forte em Porto Alegre, com um tiro na cabeça, quando ia sacar dinheiro no caixa eletrônico. Vinte e dois anos ela tinha. Cursava administração de empresas. Foi alvejada durante o fogo cruzado.
Isso é tragédia.

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Texto de Maria Aparecida Giacominni Dóro.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 05/07/2007
Alterado em 09/07/2007
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