Atenas, RS: calote no FMI e na polícia
Há uma relação entre o plebiscito realizado no domingo passado na Grécia, entre o protesto dos servidores da Segurança Pública do Rio Grande do Sul na última terça-feira e o ajuste fiscal proposto pelo governo federal: uma disputa político-ideológica condicionando o debate econômico em torno dos ajustes fiscais.
OXI! – Para entender o que está acontecendo na Grécia, é fundamental saber que o partido que governa o país, o Syriza, é o PSOL de lá. É como se a Luciana Genro tivesse sido eleita presidente. Lembram do que ela falava na campanha e nos debates sobre a área econômica? É mais ou menos o que o primeiro ministro grego, Alexis Tsipras, está implementando, agora com o aval do plebiscito, onde 61% dos gregos disseram “Oxi!” (não) para os termos de “austeridade” econômica propostos pelos credores europeus e legitimaram o calote de seu governo ao BCE e ao FMI.
Os gregos elegeram o Syriza porque queriam uma saída para a crise do país que passasse longe do ajuste fiscal que arrocha salários e retira direitos trabalhistas, principalmente os previdenciários, e o resultado do plebiscito só confirma isso. A zona do euro, controlada por países que não comungam das teses econômicas e político-ideológicas gregas, endurecem o jogo, com medo de que outros países, como a Espanha, sigam o exemplo de Atenas e elejam partidos de esquerda que venham igualmente a confrontar os termos de suas dívidas.
CALOTE na polícia? – O governador Sartori conseguiu unir toda a Segurança Pública contra seu governo numa manifestação unitária inédita, em termos de público presente, terça-feira à tarde em Porto Alegre. Mais de 10 mil servidores, após lotarem as avenidas Borges de Medeiros (Susepe e BM) e Salgado Filho (PC), rumaram para o Palácio Piratini.
Também aqui, para entender o motivo que levou os servidores a confrontar o governo dessa maneira, é preciso saber que quando os funcionários da Segurança Pública, especificamente os da Policia Civil e Superintendência dos Serviços Penitenciários, aceitaram receber seus salários na forma de “subsídio”, em negociação com o governo passado e numa lei aprovada por unanimidade na Assembléia Legislativa (AL), abriram mão de todos os direitos históricos que possuíam, como adicionais, triênios e outras vantagens. Para o governo isso foi bom, pois, em médio e longo prazo, acabou com o chamado “crescimento vegetativo” da folha de pagamento, acenando, em curto prazo, com um bom aumento salarial em 12 parcelas (duas anuais, em maio e novembro), até 2018, para os servidores.
O governo atual, ao dizer que não pagaria devido à necessidade de um “ajuste fiscal”, quer ficar apenas com o bônus da negociação do governo passado (o fim do crescimento vegetativo da folha), sem arcar com o ônus (o aumento em 12 vezes). Eis o motivo da “ira” dos servidores com o governo: sentem-se ludibriados por esse e por deputados que, hoje ocupando secretarias estaduais, votaram a favor do aumento quando eram oposição na AL.
CORRENDO risco – O governo Dilma, ao utilizar a receita do ajuste fiscal, vai no mesmo caminho do governo Sartori e das exigências do FMI e BCE à Grécia. Mas, no seu caso, isso o afastou de sua base social assalariada e popular, deixando-o nas mãos do PMDB, que controla o Congresso Nacional. Fragilizado politicamente com o refluxo econômico e com as denúncias de corrupção oriundas das delações premiadas da Operação Lava Jato, vê a tentativa de impeachment defendida por setores políticos, econômicos e midiáticos bater à porta do Palácio do Planalto.
No fundo, é tudo uma luta político-ideológica que, além da disputa de poder, coloca uma pergunta: existem outras saídas para as crises econômicas além dos ajustes fiscais recessivos que arrocham salários e retiram direitos trabalhistas, ou seja, penalizam o trabalho e preservam o capital? A resposta está em disputa.
Artigo publicado na versão impressa e na seção de Opinião online do jornal Portal de Notícias: http://www.portaldenoticias.com.br