“Norma, meu Bengell”
Era assim que o famoso jornalista carioca Sérgio Porto (o Stanislaw Ponte Preta) se referia, em suas crônicas, à jovem e bela vedete e cantora Norma Bengell, já uma estrela dos shows da boate Night and Day. A menina nascida no Carnaval de 1935, em 21 de fevereiro, se viva, teria completado 80 anos em 2015. Nada mais apropriado do que fazer um breve apanhado de sua vida como artista, cidadã e mulher às vésperas do Dia Internacional da Mulher, que comemoraremos no próximo domingo.
Filha de um imigrante belga de pai alemão e mãe francesa e de uma brasileira com descendência portuguesa e indígena, Norma começou a trabalhar como modelo para lojas de roupas aos 17 anos, quando eles se separaram. Nesse trabalho, foi percebida pelo “rei da noite” do Rio de Janeiro, Carlos Machado, e selecionada para integrar seus shows como vedete.
Com os shows de Machado, excursionava pela América do Sul e, no tempo que sobrava, fazia comerciais para a TV que, por sua vez, renderam o convite para o seu primeiro filme, “O Homem do Sputnik” (1959), do diretor Carlos Manga, onde contracenava com Oscarito. No mesmo ano, grava seu primeiro LP pela Odeon, “Ooooooh! Norma”.
Em 1962 sua carreira como atriz deu um salto, ao atuar nos filmes “O Pagador de Promessas” e “Os Cafajestes”. O primeiro, dirigido por Anselmo Duarte, ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França, e foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, nos EUA. “O Pagador...” abriu as portas da Itália e da França para a atriz realizar uma carreira internacional reconhecida e consolidada.
Em “Os Cafajestes”, dirigido por Ruy Guerra, ela atua ao lado de Jece Valadão (padrasto da apresentadora Luciana Gimenez) e de Daniel Filho (diretor da Globo), fez o primeiro nu frontal do cinema brasileiro, numa sequência de quase 6 minutos rodada na praia, no Rio de Janeiro. O filme é calcado nos princípios do Cinema Novo, premiado e “cabeça”.
Filmando principalmente na Itália durante os anos 1960, Bengell teve uma vida bem típica da classe artística européia da época. Teve um romance com o ator francês Alain Delon, com o qual não quis se casar, o que acabou fazendo com o astro italiano Gabriele Tinti. Em 1968, separada e passando um tempo no Brasil para fazer cinema e teatro, participa com outras atrizes da famosa Passeata dos Cem Mil, contra a ditadura. Como era de esquerda, se relacionou com militantes de organizações clandestinas, o que ocasionou sua prisão pelo DOPS. Libertada, se exilou na França em 1971, onde desenvolveu um trabalho como atriz igualmente reconhecido, principalmente no teatro.
Como diretora, filmou, dentre outros, “Eternamente Pagu” (1988), obra autoral baseada na vida da escritora e diretora teatral Patrícia Galvão, ligada ao Movimento Modernista e militante comunista. Como participava do movimento feminista, Bengell abordava a temática em seus filmes. Era bissexual assumida e manteve uma relação estável com a brasileira Gilda Grillo.
Esse artigo só trouxe um pouco da vida e da obra de Norma Bengell, modelo, vedete, cantora, compositora, atriz, diretora e ativista política. Em sua autobiografia (Norma Bengell, 2014, nVersos Editora), escreve ao final: “Não tenho nostalgia de nada, só mesmo saudade do mar. Porque vivi muito, amei muito e nunca quis etiquetas. O que eu sempre quis era um mundo sem discriminação. O que eu quero é não morrer muda”. Não morreu.
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PROFª ENEDINA – Ainda falando em mulheres com ação ativa na sociedade de seu tempo, Charqueadas perdeu a professora Enedina Laranjeira, recentemente falecida. Ela foi uma liderança política atuante na cidade nas décadas de 1980/90, uma referência para muita gente. Foi vereadora na Legislatura 1997/2000 e secretária de Assistência Social. Enedina não foi uma “daquelas mulheres de Atenas”, mas uma mulher a ser lembrada nesse domingo.
Artigo publicado na seção de Opinião do jornal Portal de Notícias:
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