João Adolfo Guerreiro
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Fichou na goteira

Diziam os operários mais antigos que, quando iniciaram as obras da malfadada Termelétrica Jacuí I, a CBPO, uma das empresas responsáveis por sua construção, selecionava o seu pessoal no então Hotel Piratini (atual 28º BPM). Lá, fichava os funcionários de menor graduação por uma janela protegida por um pequeno toldo para amainar a ação do sol e da chuva. Quando chovia, por ele pingava uma incômoda goteira sobre os candidatos as vagas oferecidas. Daí as falas: “Não me leva a mal, mas eu não fichei na goteira”; “Esse daí ficou na goteira”; “Fichei na goteira”.

A expressão “fichou na goteira” é antiga no “trecho”, mas, aqui em Charqueadas, agrega essa história ao seu folclore de origem. Sempre que passo pela ERS 401 e vejo o esqueleto da Termelétrica, lembro dessa versão que me passaram quando trabalhava no setor de obras da usina, pela CBPO. Agora, pensando nos empreendimentos situados após a ponte sobre o Arroio dos Ratos, junto às margens do rio Jacuí, parece-me que Charqueadas também “fichou na goteira”.

Atualmente o problema é com o Polo Naval do Jacuí. A Iesa, maior empresa do negócio, enfrenta sérias dificuldades: a Inepar, sua controladora, solicitou recuperação judicial, pois possui uma dívida de cerca de 2 bilhões de reais. Há 14 meses a Iesa vinha emitindo sinais de problemas, com atrasos a fornecedores e funcionários, conforme notícias publicadas na imprensa. Terminou por, dias atrás, a Petrobrás, contratante dos seus serviços, cancelar unilateralmente o contrato.

(Por coincidência, além da CBPO, as obras da Termelétrica Jacuí eram, na parte das montagens metálicas, tocadas por um consórcio formado por duas empresas: A. Araújo SA - que faliu - e outra, também denominada Iesa. De certa maneira, o raio não deixou de cair duas vezes no mesmo lugar.)

Ante tal situação, os governos estadual e municipal estão envolvidos em tratativas visando alterar o quadro ou minorar suas conseqüências nefastas para a economia local e regional, atividade em que igualmente estão imbuídas entidades de classe charqueadenses como a CDL e o Sindimetal, este representante dos 1.000 empregados que correm o risco de, além de ficarem desempregados, não receberem seus direitos trabalhistas. Uma liminar obtida pelo Ministério Público do Trabalho impediu a demissão dos mesmos. Quanto ao comércio local, não se sabe como ficará o pagamento das dívidas.

Nessa conjuntura inóspita, ampliada pelo emaranhado judicial em que tanto Iesa quanto Petrobrás se encontram devido a Operação Lava Jato, o que sobra para a cidade? A goteira!

No momento em que vemos o que ocorre em São Paulo, por exemplo, devemos agradecer por essa dádiva, ou seja, a água. Não passamos aqui pelo que os paulistas passam, como ter de usar o banheiro de shoppings para escovar os dentes e fazer necessidades, utilizar descartáveis em virtude da impossibilidade de lavar a louça, banhar-se numa bacia e usar a mesma água para a descarga do WC, ficar um mês sem água encanada e ter de buscá-la em caminhões pipa ou em bicas, na madrugada, enfrentando filas enormes e carregando pesados recipientes.

Água, a gente só dá valor quando falta. O Jacuí, além de nos deixar longe desse tipo de problema, pode ser uma fonte de lazer, qualidade de vida e turismo, se melhor cuidado, objeto de um planejamento e de projetos que o revitalizem e viabilizem para tal.

Charqueadas não vai sucumbir se a débâcle do Pólo Naval se confirmar, na pior das hipóteses. Vai deixar de dar um importante salto de crescimento econômico, mas já enfrentou situações parecidas no passado e continuou a se desenvolver. A goteira não é o fim do mundo. Pode ser até a solução para o futuro, num planeta onde a demanda por recursos hídricos urge.


Texto publicado na seção de opinião do jornal Portal de Notícias: http://www.portaldenoticias.com.br


"Esqueleto" da Termelétrica Jacuí I, visto do rio Jacuí.

 
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 27/11/2014
Alterado em 27/11/2014
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