Lupicínio Rodrigues, há 100 anos vivo na MPB
Essa semana iniciou nos seus primeiros dois dias úteis com duas efemérides relacionadas: os 111 anos do Grêmio na segunda e os 100 anos de nascimento de Lupicínio Rodrigues na terça. Lupi, bem sabemos, é autor do hino do clube. Hino, na verdade, que nem hino é, trata-se uma canção. A efeméride mais importante e significativa, obviamente, é a do grande compositor portoalegrense, gaúcho e brasileiro, por se tratar do centenário de um grande artista, um artista único.
Lembro de ouvir Lupicínio desde garoto, em casa. E de sempre gostar. Minha mãe colecionava os fascículos da Nova História da Música Popular Brasileira (MPB), que saía nas bancas de revista. Era uma edição muito legal, vinha um disco de vinil long play (LP), e muitas fotos sobre o artista da vez, com um texto substancial. Era uma edição primorosa! A de Lupicínio trazia na capa ele sentado num bar, com predominância do verde escuro nas cores (foto acima). No LP estavam várias canções legais dele, tipo Felicidade, Nervos de Aço, Se Acaso Você Chegasse, Vingança, interpretadas por cantores da época. Era a década de 1970.
Cada canção sua possui uma história específica. Como iniciei falando do hino gremista, vou me ater a essa, até por questões de espaço. Mas não da história que todos sabem, a da greve dos bondes que obrigou os torcedores, numa tarde de 1953, a ir a pé para o Fortim da Baixada no bairro Moinhos de Vento (isso, o Olímpico ainda não existia, só ficaria pronto em 1954), sobre a qual o próprio autor informa: “Eu fiz este hino sentado num boteco na Praça Garibaldi, tomando uma birita”.
A narrativa que eu quero aqui contar é mais profunda, e começa no motivo pelo qual Lupicínio se tornou gremista, um fato que pouca gente sabe e que Léo Gerchmann trouxe à luz em seu livro “Coligay, tricolor de todas as cores”. Outra vez, podemos pegar a própria palavra de Lupi, na página 40 do livro, que traz um artigo do compositor (sim, Lupi também era colunista de jornal) publicado no extinto jornal Última Hora, em 1963:
“(...) Em 1907, uma turma de mulatinhos, que naquela época já sonhava com evolução das pessoas de cor, resolveu formar um time de futebol. Entre esses mulatinhos estava (...), o senhor Francisco Rodrigues, meu querido pai (...) O time foi formado. Deram o nome de Rio-Grandense. (...) ...os mulatinhos sonhavam em participar da Liga [portoalegrense de futebol]. Esse sonho durou anos, mas no dia em que o Rio-Grandense pediu inscrição na Liga não foi aceito porque justamente o Internacional, que havia sido criado pelo ‘Zé Povo’, votou contra. Isso magoou profundamente os mulatinhos, que resolveram torcer contra o Internacional, e o Grêmio, sendo seu maior rival, foi escolhido para tal. Fundou-se, por isso, uma nova Liga, que mais tarde foi chamada de (Liga da) Canela Preta”.
De tudo o que se falou de Lupicínio nessa semana, e entendo que foi pouco devido à sua importância como artista popular, creio que essa é uma história sobre a qual muito pouco se fala, mas que soa atual em nossos dias. Claro que sua obra é muito maior que a sua relação com o futebol, uma faceta que endossa o caráter popular da mesma, assim como a de outro grande compositor de sua época, o carioca Lamartine Babo, autor dos hinos de vários clubes do Rio de Janeiro, dentre eles Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo.
Suas canções soam atuais por que, como bem disse o crítico musical Juarez Fonseca, foram socialmente plurais e artisticamente universais, por isso sua atemporalidade e permanência mesmo após quarenta anos de sua morte.
Texto pulicado na seção deopinião do jornal Portal de Notícias: http://www.portaldenoticias.com.br