Foto: Cecílio Rocha (roupa cinza) sentado com seu filho Alberto
Seu Rocha
Leitores e leitoras, essa poderia ser também a história do seu pai ou do seu avô.
No dia 1º de julho de 1930, aos 29 anos, Cecílio Gomes Rocha desembarcou do rebocador Guapo, da empresa CADEM, colocando os pés em Charqueadas. Trazia consigo, conforme relato de sua cunhada Adelina Faleiro, quatro peças de terno, quatro chapéus e quatro pares de sapato, cada conjunto combinando. Nas palavras de Adelina, para a época, eram trajes de “homem rico”. Um dos sapatos caiu no Rio Jacuí. Cecílio disse: “Se um foi, é justo que o outro vá junto para fazer companhia”. E lá seguiu o outro pé do mesmo para correnteza abaixo.
O episódio, que aconteceu há exatos 84 anos e 28 dias, faz parte do folclore da família. Cecílio vinha de Porto Alegre, onde nasceu, a fim de dar um tempo por aqui, sabe-se lá (isso nunca ficou claro) se para deixar acalmar problemas amorosos ou políticos. O fato é que havia lutado na revolução de 1923, servindo na cavalaria por onze meses. Na ocasião, levou um tiro na “barriga” da perna, que atravessou-a e matou sua montaria.
Acabou conhecendo a pequena Otília Faleiro Damasceno, com quem teve sete filhos, o que o levou a ficar por Charqueadas, trabalhando por 36 anos no CADEM, nos primeiros dois anos no escritório e, no restante, como pesador de carvão, no “serviço de rua” da empresa, a atual Copelmi. Em 1950 separou-se, ficando consigo o penúltimo filho, Pedro Noé, na ocasião com cinco anos de idade.
Seu Rocha, como ficou conhecido, era tido como homem comprometido com o trabalho e honesto. Os trens puxando os vagões carregados de carvão, em comboio, vinham de Arroio dos Ratos, passando pela Rua Rui Barbosa (antigamente conhecida como Zona da Castelhana) e chegando até a Distrito Federal (à época chamada de Corte dos Trens). Na altura do cruzamento com a José Rui de Ruiz, mais precisamente onde hoje está a loja Ribermaq, ficava um banco de ferro, à sombra de uma ramada de unha de gato, em que Cecílio aguardava os comboios a fim de pesar o carvão na balança situada do outro lado da rua.
Com o passar do tempo, como conhecia a capacidade de carga e a “tara” exatas de cada vagão, Seu Rocha nem precisava mais utilizar a balança. Certa vez foi denunciado por isso. Veio de Ratos um engenheiro chefe da Copelmi, chamado Marcelo, junto com o trem. Passados todos os vagões, se apresentou pediu para Cecílio suas anotações a fim de conferi-las, utilizando a balança. No final, restou ao engenheiro pedir desculpas pelo transtorno causado ao bom andamento do serviço...
Um outro acontecimento a confirmar sua fama deu-se em 1941, e é mencionado por Saldino Pires em seu livro Histórias do Povo de Charqueadas (2012). Ao início da noite, olhando para onde ficava a balança, percebeu que algo brilhava no chão, emitindo fortes luzes coloridas. Achou muito estranho aquilo. Passou a mão na sua arma, um revólver espanhol calibre 32 da marca Tanque, e foi conferir o que era. Acabou achando um broche do tamanho de uma mão fechada, uma joia de platina cravejada de brilhantes que refletiam as luzes da iluminação pública. Guardou o valioso objeto e encaminhou-o para o escritório da empresa, onde posteriormente foi identificado como de propriedade da esposa do senhor João Predebom, que enviou uma carta à Copelmi agradecendo a devolução, sendo esta repassada a Seu Rocha e mantida em posse de sua família até hoje.
Seu Rocha é nome de via pública em Charqueadas. A rua Distrito Federal, em 1988, por proposição do vereador José Francisco “Chiquinho” Silva, passou a ser denominada Cecílio Rocha. Consta na página 18 do livro de Saldino, anteriormente citado. A via cruza as ruas José Rui de Ruiz (ex-rua Termochar) e Salvador Leão (ex-rua Nova e ex-rua do Armazém Arranca Olho), que foram colegas de trabalho do Seu Rocha. O segundo era compadre de Cecílio, por ter sido padrinho de batismo de sua filha Vera.
Essa é um pouco da história do Seu Rocha, que faleceu em 04 de julho de 1976, precisamente há 38 anos e 25 dias. Uma história, apesar das suas especificidades, similar a de muitos que para essa região vieram trabalhar durante o ciclo carvoeiro e que por aqui ficaram, deixando seu legado e sua descendência. Uma história feita de gente.
Texto publicado na seção de Opinião do jornal Portal de Notícias:
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