João Adolfo Guerreiro
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Porto A(rgentino)legre
VERSÃO INTEGRAL DO TEXTO:

PORTO A(RGENTINO)LEGRE

1 - Ontem (esse texto foi escrito dia 26 de junho) fui, pela primeira vez, ver o movimento da Copa na capital do Estado. Um pouco para curtir, outro pouco para ver. Impossível qualquer tentativa de analisar um evento sem presenciar e interagir em alguns de seus episódios. O que os olhos não enxergam, o coração não sente e a razão não processa.
O "'estranhamento" sociológico é a primeira coisa que salta aos olhos. Você ali, "estrangeiro" em sua própria terra. As camisas predominantes não são as dos times locais e nem da sua seleção. Aliás, pouco verde e amarelo na roupa das pessoas.
Eu, com minha camisa do Grêmio, poderia até passar por um argentino para olhos pouco atentos. Aliás, camisas do Grêmio se via bastante, além das do Inter e da Nigéria, que se destacavam gritantemente naquele mar azul e branco. As do Grêmio e as de alguns uruguaios que lá se encontravam em bom número se confundiam com as dos argentinos.

2 - Na rodoviária, já havia argentinos circulando, mesmo às 11h45min, horário próximo ao início do jogo: 13h. Depois, cheguei no Mercado Público e iniciei a caminhada pela Borges de Medeiros, liberada a pedestres, chamada de "Caminho do Gol". Lembrei de, num dia de chuva de junho de 2013, ter caminhado pela João Pessoa, fechada pelo povo nas ruas, num autêntico "Caminho do Protesto".

3 - Já no início da Borges, vários camelôs com bandeiras argentinas. Novo estranhamento: nunca vira, em anos de périplo por estádios de Porto Alegre em dias de jogo, coisa assim. Mas atenção: nada parecido com essas camisas de clubes estrangeiros que a gente vê a gurizada vestindo pelas ruas hoje em dia. Era algo diferente, bem maior, pois fundamentado, autêntico e não apenas reproduzido. Os camelôs não rasgam dinheiro.
É legal ver uma via importante da cidade assim, aberta às pessoas, sem a presença totalitária dos carros. A cidade é nossa. Nossa? Ou dos argentinos? Ou de quem pode usufruir da Copa?
Além dos camelôs e dos policias militares em grande número, só argentinos, a maioria jovens do sexo masculino. Um número expressivo de famílias. E um detalhe que vem me intrigando a tempos: por que as argentinas não são bonitas? Até se vê algumas de corpo bem desenhado, mas bonitas, é difícil. Aqui no Brasil, em qualquer lugar que se vá, sempre encontramos mulheres bonitas em bom número. Será que as argentinas que vem aqui no verão e para a Copa são somente as pouco atraentes?

4 - O espanhol é o idioma predominante. Alguns nigerianos falando inglês se destacam tanto quanto o verde berrante de suas camisas e o negro de sua pele, em contraste com o azul claro das camisas e a pele branca dos argentinos. Aliás: não vi, na rua, nenhuma nigeriana.
Pelo caminho, não havia protesto contra a Copa, coisa que eu esperava ver. Nesse sentido, só um grupo de mulheres caminhando com faixas contra o assédio sexual, alguns argentinos com uma faixa e um megafone defendendo que as Malvinas são deles e um pessoal distribuindo uma carta aberta trilíngue pedindo que Obama solte cinco prisioneiros cubanos.
Ah, tinha uma figuraça num pequeno grupo pra lá de irreverente: um argentino de peruca vestindo somente uma tanga nas cores do seu país, feliz pela rua, tocando um instrumento de percussão. "Isso, aqui, é atentado ao pudor" - comentaram uns camelôs assim que o grupo em que o argentino estava passou. Mas a polícia nem aí, pois o grupo parou em frente a uma viatura da BM para cantar pros policiais.

5 - Caminhei até o fim pela Borges, adiante da Ipiranga, chegando a primeira barreira do perímetro do estádio, onde o acesso é só para quem tem ingresso. Muitos policiais militares no local, garantindo o bloqueio. Meu itinerário para a Copa ali terminava. E um novo estranhamento: o jornal O Bairrista sendo distribuído em três línguas: português gaúcho gaudério brasileiro, inglês e espanhol. Pronto – pensei, estou numa terra estrangeira, onde as pessoas falam espanhol e inglês e algumas português (estou exagerando um pouco, claro, no tocante ao inglês).
“Do lado de fora", ao lado do shopping, havia um palco com uma banda de pagode. Estranho ver aquele pessoal a todo momento elogiando os irmãos argentinos, Messi e Maradona. Estranho mesmo.

6 - Voltando pela rua e dobrando à esquerda na Ipiranga, fui conferir a tal Fan Fest. Enorme a estrutura montada no Anfiteatro Pôr do Sol, um sistema de som e de vídeo gigantescos. Mas, para minha surpresa, a área estava toda cercada. Roletas para entrar e muitos brigadianos, inclusive a cavalo, bloqueando o acesso, eis que o espaço, para 20 mil pessoas, já estava lotado. Cercar o teatro Pôr do Sol? Durante a realização do Fórum Social Mundial havia tanta gente como no dia de ontem e não havia cerca. A palestra do Leonardo Boff e do Eduardo Galeano no Gigantinho, inclusive, foi aberta para quem quisesse entrar, sem controle algum ,e superlotou, sem nenhum problema. Mas Copa é negócio, não podemos esquecer.
Havia um telão enorme voltado rua e para o Guaíba, e lá outra multidão acompanhando o jogo. Ali assisti o início da partida até os 40 min do primeiro tempo. Uma hecatombe ao primeiro gol da Argentina em contraste com um traque no gol de empate da Nigéria comprovava o que os olhos já haviam identificado: absoluta maioria de argentinos. A sensação de estranhamento, de ser estrangeiro em sua casa, estava a flor da pele. Interessante observar e refletir acerca da motivação de todas aquelas pessoas, a quilômetros do seu país, famílias inteiras, mal acomodadas em frente a um telão, torcendo pela sua seleção nacional. O que explica isso, à luz da importância do futebol enquanto fator de pertencimento e integração social de um povo?

7 - Antes do fim do primeiro tempo, fui no shopping almoçar. No restaurante, só azul e branco e espanhol. Diferente, uma mesa com alguns nigerianos. No gol de empate do seu time, eles vibraram. Quando a Argentina fez o terceiro, o restaurante veio abaixo. Fiquei a pensar: cerca de 20 mil argentinos estavam no estádio e, com certeza, 80% dos que estavam na Fan Fest e na rua eram argentinos. Devia haver uns 100 mil hermanos em Porto Alegre, como a imprensa noticiou.
Todos ali, só para estar na cidade em que a seleção iria jogar, só para estar perto da sua seleção, a maioria deles.
Deu para perceber o quanto essa Copa é importante para os argentinos, o quanto estão comprometidos com a seleção de futebol que os representa, que representa a sua nação. Se der Brasil e Argentina na final, o Rio de Janeiro vai, com toda a certeza, ver algo único em sua história.
João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 03/07/2014
Alterado em 03/07/2014
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