Porto A(rgentino)legre
Dia 25 fui, pela primeira vez, ver o movimento da Copa na capital do Estado. O estranhamento foi a primeira coisa que senti. Eu ali, "estrangeiro" em minha própria terra. As camisas predominantes não eram as dos times locais e nem da sua seleção. Aliás, pouco verde e amarelo na roupa das pessoas.
Eu, com minha camisa do Grêmio, poderia até passar por um argentino para olhos pouco atentos. Aliás, camisas do Grêmio se via bastante, além das do Inter e da Nigéria, que se destacavam gritantemente naquele mar azul e branco. As do Grêmio e as de alguns uruguaios, que se encontravam pelo local em bom número, confundiam-se com as dos argentinos.
Cheguei ao Mercado Público por volta do meio dia e iniciei a caminhada pela Borges de Medeiros liberada a pedestres, chamada de "Caminho do Gol". Já no início da Borges, vários camelôs oferecendo bandeiras argentinas. Além dos camelôs e dos policias militares em grande número, só havia argentinos, a maioria jovens do sexo masculino. Um número expressivo de famílias. O espanhol era o idioma predominante. Alguns nigerianos falando inglês se destacavam tanto quanto o verde berrante de suas camisas e o negro de sua pele, em contraste com o azul claro das camisas e a pele branca dos argentinos. Na rua, nenhuma nigeriana à vista..
Não vi protesto contra a Copa. Somente um grupo de mulheres caminhando com faixas contra o assédio sexual, alguns argentinos com uma faixa e um megafone defendendo que as Malvinas são deles e um pessoal distribuindo uma carta aberta trilíngue pedindo que Obama solte cinco prisioneiros cubanos.
Ah, tinha uma figuraça num pequeno grupo pra lá de irreverente: um argentino de peruca vestindo somente uma tanga nas cores do seu país, feliz pela rua, tocando um instrumento de percussão. "Isso, aqui, é atentado ao pudor" - comentavam uns camelôs assim que o grupo em que o argentino estava passou. Mas a polícia nem aí, pois o grupo parou em frente a uma viatura da BM para cantar pros policiais.
Caminhei até o fim pela Borges, adiante da Ipiranga, chegando a primeira barreira do perímetro do estádio, onde o acesso era só para quem tinha ingresso. Muitos policiais militares garantindo o bloqueio. Ali, "do lado de fora", ao lado do shopping, uma banda de pagode mandando som. Estranho ver aquele pessoal, a todo momento, elogiar os hermanos argentinos, Messi e Maradona.
Voltando pela rua e dobrando à esquerda na Ipiranga, fui na tal Fan Fest. Enorme a estrutura montada no Anfiteatro Pôr do Sol, um sistema de som e de vídeo gigantescos. Mas, para minha surpresa, a área estava toda cercada. Roletas para entrar e muitos brigadianos, inclusive a cavalo, bloqueando o acesso, eis que o espaço, para 20 mil pessoas, já estava lotado. Num telão enorme voltado rua e para o Guaíba, outra multidão acompanhava o jogo. Ali assisti o início da partida até os 40 min do primeiro tempo. Uma hecatombe ao primeiro gol da Argentina em contraste com um traque no gol de empate da Nigéria comprovou a absoluta maioria de argentinos presentes. Interessante observar e refletir acerca da motivação de todas aquelas pessoas, a quilômetros do seu país, famílias inteiras, mal acomodadas em frente a um telão, torcendo pela sua seleção de futebol nacional. O que explica isso, à luz da importância do futebol enquanto fator de pertencimento e integração social de um povo?
Antes do fim do primeiro tempo, fui no shopping almoçar. No restaurante, só azul e branco e espanhol. Diferente, uma mesa com alguns nigerianos. No gol de empate do seu time, eles vibraram. Quando a Argentina fez o terceiro, o restaurante tremeu. Cerca de 20 mil argentinos estavam no estádio e, com certeza, 80% dos que estavam na Fan Fest e na rua eram argentinos. Devia haver mesmo uns 100 mil hermanos por lá, como a imprensa noticiou.
Se der Brasil e Argentina na final, o Rio de Janeiro vai, com toda a certeza, ver algo único em sua história.
Texto publicado na seção de Opinião do jornal Portal de Notícias:
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