João Adolfo Guerreiro
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Coligay: uma afirmação da diversidade

1977 foi um ano importante na minha vida. Nele tomei uma de minhas primeiras decisões: tornei-me gremista. Para um guri com menos de dez anos de idade, uma baita decisão. E “pé-quente”, como se diz na gíria futebolística, pois foi o ano em que a então Máquina Tricolor da Azenha e do Olímpico foi campeã do Gauchão, quebrando a hegemonia de oito anos do Colorado.

Lembro bem de estar ouvindo pela rádio, deitado no quarto do meu pai, o famoso Grenal que decidiu aquele campeonato, onde o antológico André Catimba, baiano e amigo do Gilberto Gil (que foi ao jogo torcer pelo Grêmio), fez o gol do título e se machucou ao tentar uma cambalhota para comemorar.

Ouvia falar, também recordo, de uma tal de Coligay, uma torcida do Grêmio. Assim, lendo o livro “Coligay: Tricolor de todas as cores”, de Leo Gerchmann, recentemente lançado, entrei no “Túnel do Tempo” (quem aí se lembra desse seriado?) direto para minhas lembranças de 1977.

Catimba, Tadeu Ricci, Iúra, Tarciso, Éder, Valter Corbo, Leandro, Oberdã, Ladinho, eis os nomes do Grêmio treinado por Tele Santana e presidido por Hélio Dourado que ainda lembro assim, de cabeça, sem ir procurar no Google. Eu não sabia à época, como sei hoje, que a Coligay era uma torcida organizada formada por homossexuais e simpatizantes e que Volmar Santos era seu líder e dono da boate Colibri, onde a mesma fora gestada. Não sabia também que a Coligay durou de 10 de abril de 1977 à 1983, quando Volmar voltou para sua cidade natal: Passo Fundo, tchê (isso, Volmar é conterrâneo de Tarso de Castro)!

Desses fatos tomei ciência agora, em 2014, 37 anos depois, nas páginas do livro acima citado. Um feito histórico a favor da cidadania e da diversidade a criação de uma torcida organizada gay nos anos 1970, em plena Ditadura Militar. E mais: foi a Coligay que trouxe um jeito alegre e colorido de se torcer por futebol (com bandeiras, cânticos, charangas, adereços, coisa incomum para os sisudos torcedores gremistas de então), que permanece até hoje, fazendo escola, independente da orientação sexual das torcedores e da ideologia das torcidas.

A Coligay era alegria, diversidade e comprometimento com o clube, signos alheios à violência, homofobia/racismo e “mordeção” ($) que vemos em alguns estádios hoje em dia. O Grêmio de 77 era branco como Ricci, negro como Tarciso, azul como o Olímpico e colorido como a Coligay, também ela, uma torcida “pé-quente”, que viajava à convite do presidente no ônibus do clube e ia a todos (todos!) os jogos do time. Tão pé-quente que o então presidente do Corinthians, Vicente Mateus (outra figura antológica), convidou-a para ir torcer pelo seu time na final do Paulista daquele ano, contra a Ponte Preta. Eles aceitaram o convite e o Coringão findou o jejum de 23 anos sem títulos, com um gol de Basílio.

(O livro de Gerchnann também traz, em sua página 40, um parênteses esclarecedor: um artigo assinado por Lupicínio Rodrigues, no extinto jornal Última Hora, informando porque torcia para o Grêmio, mesmo sendo “pessoa de cor”. O autor do hino do clube - que em setembro, se vivo, completaria 100 anos - fala sobre um time chamado Rio-Grandense e do veto do Inter à sua participação na liga de futebol de Porto Alegre...)

Um livro muito bom, a ser lido em particular pelos gremistas e pelos amantes de futebol em geral nesse período de Copa do Mundo. Aliás, um livro para ser lido por todos, que fala da coragem de viver sendo o que se é, do respeito ao ser humano e a sua diversidade, da paixão pelo futebol e da ignorância que é o preconceito nas diversas formas em que ele se apresenta.

Texto publicado na seção de Opinião do jornal Portal de Notícias em 13.06.2014http://www.portaldenoticias.com.br


João Adolfo Guerreiro
Enviado por João Adolfo Guerreiro em 15/06/2014
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