Poluição sonora é um dos temas mais atuais desse nosso mundo urbano. Em Charqueadas não é diferente. Andando pelas ruas do centro, alguns comerciantes locais reclamam pra mim dos carros de som passando em frente aos seus estabelecimentos a toda hora em alto volume, principalmente nas sextas e sábados. “Um martírio”, lamentam, reivindicando: “Alguém tem de fiscalizar isso”!
No último sábado, eu fui acordado às 10 horas por um carro de som de um “obreiro de Jesus”. O homem parou o seu carro de som e conclamava, em ótimo volume (na opinião dele, com certeza) para um culto que se realizaria em algum lugar próximo naquele dia. Eu havia passado uma sexta-feira triste em família, acompanhando o funeral de uma pessoa muito querida, e estava descansando depois uma madrugada insone. Tinha o direito de não ser incomodado no sábado de manhã por aquele ser impiedoso e egoísta, mesmo que imbuído da certeza de sua fé no Cristo.
Pensei: Jesus, no seu tempo, não dispunha de carro de som, mas deu muito bem o seu recado, tanto que o Sermão da Montanha ecoa até hoje, quase dois mil anos depois. Logo, o som alto não tem nada a ver, creio, com as alturas celestiais. Um saudoso amigo me ensinou: “João, quando estiveres falando em público, não adianta levantar a voz para ser escutado. Fale num tom calmo e médio que as pessoas vão silenciar para ouvi-lo. Ou não fale, se elas não silenciarem”.
Mas voltando aos carros de som, estava, quinta passada, subindo a avenida 1º de Maio de táxi. Um carro de som ia lento à nossa frente. Como o taxista não conseguia ultrapassá-lo ficou irritado e buzinou. Ao final da rua, ao conseguir espaço para passar, reclamou em voz alta com o motorista do carro, que respondeu: “Eu estou trabalhando, tchê”!
Realmente, poderia estar roubando, assaltando, traficando, mas estava ali, trabalhando. Da mesma forma que os operários que constroem presídios abaixo de sol e chuva. Trabalham árdua e pesadamente, recebem pouco, levantam prédios que vão abrigar quem prefere não labutar para ganhar seu sustento. Impossível não reconhecer a dignidade de quem trabalha. Logo, uma questão com dois lados. A legislação municipal que decida a respeito.
Falando na 1º de Maio, surge outra questão, a do seu projeto de revitalização. Polêmico, com dois lados. Vários motoristas e populares já criticaram a alteração feita, principalmente pelos canteiros colocados no meio da rua (estes, um folclore popular a parte, pois as pessoas conjecturavam jocosamente, antes dos mesmos ficarem prontos, se seriam churrasqueiras ou aquários), que limitam mais o trânsito, impedindo ultrapassagens, como aconteceu no caso relatado acima. Do ponto de vista de um pedestre, achei legal a rua, ficou mais lenta, as calçadas melhoraram, seu aspecto ficou mais bonito. Entretanto, quando pedalo por ali, sinto esse estreitamento, principalmente quando caminhões e ônibus estão circulando. Ela ficou inóspita para os ciclistas.
E por falar nas calçadas e ciclistas, sistematicamente vejo os segundos circulando pelas primeiras, num total desrespeito às leis de trânsito. No centro, tempos atrás, flagrei um rapaz passar “voando”, colocando em risco a integridade física uma senhora idosa de quem tirou um “fininho”, Absurdo! Igual a andar na contramão (Ah, ciclistas, aprendam!) ou não ceder lugar para gestantes, deficientes e idosos em ônibus, fato que também presenciei na última quinta, ao pegar o 07h50min para São Jerônimo: jovens, moços e moças, impassíveis ante duas senhoras de idade em pé. Que solidariedade e espírito cidadão podemos esperar dessas pessoas no futuro?
Cada cidade é uma totalidade imersa no mundo. Era isso. Até terça que vem.
Texto publicado no Jornal Portal de Notícias em novembro de 2013