As tragédias sob as estatísticas
Sexta feira, por volta das 16 horas. Estou curtindo as postagens no Facebook e vejo um amigo referir-se a um acidente acontecido no mesmo dia em Charqueadas: “Noticia triste... Acidente em Charqueadas leva um grande amigo...”. Nos comentários da postagem alguém marca o nome da vítima. Movo o cursor com o mouse por sobre o nome e vejo a imagem.
Se não fosse por eu conhecer e respeitar o jovem motociclista da foto, o dado seria, para mim, apenas uma lamentável, porém abstrata, nota triste imersa no emaranhado de estatísticas oficiais sobre ocorrências dessa natureza. Tipo a que citei em um artigo que fiz aqui em agosto: “crescimento de 846% no número de acidentes fatais envolvendo os usuários da motocicleta no Brasil, entre os anos de 1996 e 2010 (Mapa da Violência – Caderno Complementar 2: acidentes de trânsito, 2012, Júlio Jacobo Weiselfisz)”. Mas quando a gente conhece a vítima, a situação emerge concretamente em seu caráter de tragédia. Tragédia pessoal, familiar e social.
Pessoal, eis que um jovem de 25 anos, pai de família, vai dessa vida no momento da plenitude física para usufruir a mesma. Familiar, em virtude da dor que os parentes mais próximos terão de suportar e elaborar por tamanha perda irreparável. Social, primeiro, porque tratava-se de uma pessoa bem quista em sua comunidade, conforme a repercussão e o pesar social por sua partida atestam indubitavelmente; segundo, porque inclusa na abstração das estatísticas oficiais, que demonstram serem essas tragédias uma malévola trivialidade em nossas cidades, onde a mobilidade urbana encontra-se totalmente comprometida.
A nossa dor ou a percepção da dor dos outros, concreta porque próxima de nós, nos dá conta do que está “insensibilizado” por baixo dos números: tragédias de carne, osso e nervos. E a atingir, principalmente, pessoas jovens dessa faixa etária, como o Douglas.
Verificando as estatísticas de 2011 do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) do Ministério da Justiça, podemos chegar facilmente a essa conclusão. Com base nos dados fornecidos pela Polícia Rodoviária Federal e colhidos em rodovias federais sob jurisdição do DNIT, vemos que no Rio Grande do Sul a maior parte de vítimas envolve homens na faixa dos 23 aos 28 anos: 734, com 35 óbitos. A recíproca também acontece no universo feminino, na mesma faixa de idade: 11 óbitos em 234 vítimas. Homens e mulheres nessa faixa correspondem a 976 vítimas num total geral de 7.929 (de 18 a 33 anos, são 2.760 com 137 óbitos). No Brasil a proporção é a mesma, só ampliando-se, obviamente, os números absolutos para essa faixa etária masculina de 23 a 28 anos: 803 mortes em 16.008 vítimas, de um total geral de 129.202.
Quanto ao tipo de veículo, outra triste constatação: no RS, 1.828 das 7.929 vítimas são motociclistas; no Brasil, são 28.466 motociclistas do total de 129.202 vítimas. Logo, fica claro que motociclistas do sexo masculino entre 23 e 28 anos são as maiores vítimas em potencial da loucura do nosso trânsito nas estradas federais e, certamente, também nas cidades. Pessoas de verdade, de carne, osso e nervos, a força vital da nossa sociedade, o futuro do nosso país, os jovens de nossas comunidades, a alegria e o amor de suas famílias.
Qual a saída para minorar esse problema? Não é uma solução fácil, pois, podemos verificar, se insere na lógica de funcionamento de nosso sistema social atuando sobre sua estrutura de mobilidade urbana: muita gente e muitos veículos para cidades que não foram historicamente planejadas para absorver e dar vazão a tal demanda de circulação em suas vias.
Geometria perversa, anti-humana. Mas o processo de solução passa por municípios, estados e União, com absoluta certeza, no planejamento e organização eficaz da mobilidade urbana. A nós, cabe observar rigidamente as leis de trânsito tomar todo o cuidado, pois todo o cuidado é pouco no trânsito de hoje. E esse é um processo que demandará tempo.
Texto publicado hoje na secção de Opinião do jornal Portal de Notícias: http://www.portaldenoticias.com.br